Artigo I
A Natureza do preconceito.
- O que é preconceito?
Na visão do filósofo político
Norberto Bobbio entende o preconceito como:
(...)
uma opinião ou um conjunto de opiniões, às vezes até mesmo uma doutrina
completa, que é acolhida acrítica e passivamente pela tradição, pelo costume ou
por uma autoridade de quem aceitamos as ordens sem discussão: acriticamente e
passivamente, na medida em que a aceitamos sem verificá-la, por inércia,
respeito ou temor, e a aceitamos com tanta força que resiste a qualquer
refutação racional, (...) Por isso se diz corretamente que o preconceito
pertence à esfera do não racional, ao conjunto das crenças que não nascem do
raciocínio e escapam de qualquer refutação fundada num raciocínio. (BOBBIO, 2002,
p.103)
Sendo assim conceituado mediante
processo argumentativo racional, podemos dizer que: “O preconceito é uma opinião errônea tomada fortemente por verdadeira,
mas nem toda opinião errônea pode ser considerada um preconceito”. (BOBBIO,
2002, p.103, 104)
A opinião errônea são erros
cometidos por ignorância de tal regra sobre determinado assunto, como por
exemplo: quando erramos na língua estrangeira porque desconhecemos as suas
regras gramaticais, por isso este erro pode ser perfeitamente corrigido através
do conhecimento maior da gramática e a vontade de aprender, mas erro do
preconceito é difícil de ser corrigido, erradicado.
Quando a correção dos erros é
possível, a opinião deixa de ser opinião e torna-se um argumento verídico, mas
temos algumas “ervas daninhas”, ou melhor, atitudes equivocadas em nosso
cotidiano tanto no pensamento como nas palavras, a ingenuidade, é uma delas que por conseqüência é a porta de entrada
para o preconceito fluir e
desenvolver nas consciências dos indivíduos, e como nasce esta ingenuidade?
Simplesmente como afirmou Bobbio
conforme citação acima: mentes acríticas e passivas formam características
próprias de pessoas preconceituosas, mas não podemos confundir ingenuidade com preconceito, porque “quando
somos enganados por alguém que nos faz acreditar ser verdade uma coisa que
verdadeira não é (...) uma vez desvelado o engano, estamos em condições de
reconhecer o erro e restabelecer a verdade”. (BOBBIO, 2002, p. 104) Ou
seja, quando alguém é ingênuo pode não ser para sempre, basta ter abertura de
consciência adquirindo como virtude posições críticas e atuantes ao contrário
do preconceito, sendo assim a ingenuidade
tem mais facilidade e possibilidade de serem corrigidas, já preconceito tem muito mais dificuldade
de ser corrigida, eliminada, mas não significa que não será nunca erradica é
relativo, como afirma Bobbio (2002, p.104) “o
preconceito é um erro mais tenaz e socialmente mais perigoso”.
Socialmente perigoso? Sim, pois o
preconceito é realmente perigoso invadindo e instalando nas mentes dos membros
de grupos sociais, transformando mais forte e convincente os argumentos
proclamados por tal grupo e não só discursivamente como também na práxis e conduta de tal grupo.
Segundo Bobbio (2002, p.104,105)
afirma que:
Por
trás da força de convicção com que
acreditamos naquilo que o preconceito nos faz acreditar está uma razão prática e, portanto, (...) uma
predisposição a acreditar na opinião que o preconceito transmite. Esta
predisposição a acreditar também pode ser chamada prevenção. Preconceito e
Prevenção estão habitualmente
ligados entre si. O preconceito enraíza-se mais facilmente naqueles que já
estão favoravelmente predispostos a aceita-lo.
O preconceito tem um poder de persuasão
próprio, pois tem uma aplicação prática na realidade vivida, mas é lógico tendo
em certas pessoas ou grupos uma predisposição para tal preconceito o qual
Bobbio chama de prevenção, as pessoas adquirem os preconceitos de acordo com as
suas predisposições, ou melhor, acredita naquilo que querem acreditar tendo
também a ajuda de hábitos propícios como a ingenuidade que comentamos acima,
por que quem é ingênuo é facilmente enganado, persuadido, por não ter uma consciência
crítica atuante.
- Diversas formas de preconceito.
Para Bobbio existem várias formas
de preconceito cuja distinção é entre preconceitos individuais e preconceitos
coletivos.
A primeira não é de seu interesse
pesquisar, pois, ele conceitua como: superstições, as crenças populares, na
maldição, no mau-olhado, que faz a gente cruzar os dedos, ou fazer gestos de
esconjuros, ou como não realizar certas ações como: viajar as sexta-feira ou
sentar-se a mesa em treze pessoas, buscar apoio em amuletos para afastar o azar
ou em talismãs para trazer sorte. São crendices que não é o foco do autor, mas
sim em preconceitos coletivos.
Segundo Bobbio (2002, p.105) afirma:
Chamo de preconceitos
coletivos aqueles que são compartilhados por um grupo social inteiro e estão
dirigidos a outro grupo social (...) derivam de modo distorcido com que um
grupo social julga o outro, gerando incompreensão, rivalidade, inimizade,
desprezo ou escárnio (...) este juízo distorcido é recíproco, e em ambas as
partes é tão mais forte quanto mais intensa é a identificação entre os membros
individuais e o próprio grupo.
E ainda continua afirmando sobre
os preconceitos coletivos Bobbio (2002, p.106): “o preconceito de grupo são inumeráveis, mas dois historicamente mais
relevantes e influentes são o preconceito nacional e o preconceito de classe”.
O preconceito nacional está
ligado à idéia de nação, Estado, país que carrega uma bagagem cultural
histórica muito forte e presente o qual traz idéias persistentes que constroem
sua identidade como nação, e que dificilmente modificam porque representam a
história de um povo. Por isso, dá abertura para surgirem os preconceitos entre
as nações, pois cada nação possui uma identidade que em alguns aspectos sociais
entram em conflitos com outras nações, fundamentados em suas “ideologias fixas”
criam estereótipos sobre as nações, como: “o brasileiro leva tudo no jeitinho,
o argentino é prepotente, os americanos arrogantes, os japoneses inteligentes,
os ingleses disciplinados, os alemães frios, etc.”; são todas as idéias
fundadas em generalizações superficiais, ou seja, não são consistentes.
Já o preconceito de classes nasce
dos conflitos sociais existentes desde que a sociedade seja uma sociedade
constituída politicamente, como Karl Marx expressou claramente em seus escritos
econômicos, dizendo sobre: “a luta de classes”, “opressores e oprimidos”, “quem
pode mais, chora menos” diz o dito popular.
Preconceito e discriminação
Preconceito e Discriminação um
resultado, conseqüência do outro. A discriminação é a conseqüência primeira de
todo e qualquer preconceito.
Mas o que significa
discriminação?
Segundo Bobbio (2002, p.107):
Significa
qualquer coisa a mais do que a diferença ou distinção, pois é sempre usada com
uma conotação pejorativa. Podemos, portanto, dizer que por ‘discriminação’ se
entende uma diferenciação injusta ou ilegítima. Porque injusta ou ilegítima?
Porque vai contra o princípio fundamental da justiça (...) pode-se dizer que se
tem uma discriminação quando aqueles que deveriam ser tratados de modo igual
com base em critérios comumente aceitos nos países civilizados são tratados de
modo desigual.
Para Bobbio a discriminação se
desenvolve primeiramente pelo juízo de
fato, entre grupo e grupo. Simplesmente é constatar o fato, o óbvio, por
exemplo: os homens são de fato
diferentes entre si, mas desta constatação não nasce um juízo discriminante.
Nasce sim do juízo posterior de valor,
ou seja, conforme afirma Bobbio (2002, p.108):
(...)
um juízo desse tipo introduz um critério de distinção não mais factual, mas
valorativo, que, como todos os juízos de valor, é relativo, historicamente ou
mesmo subjetivamente condicionados (...) a discriminação começa quando as
pessoas não se limitam mais a constatar que são diferentes, e acrescentam que os brancos superiores aos negros , que os
negros são uma raça inferior. Inferior em relação a quê? (...) trata-se de um critério
de valor (...) inserido acriticamente no âmbito de certo grupo (...) se apóia
na força da tradição ou numa autoridade reconhecida.
Pensando neste processo de
discriminação o pior resultado em conseqüência dos juízos feitos de valor a
respeito da relação de diversidade entre grupos, sendo que a conseqüência maior
é que o superior deva esmagar, explorar, escravizar ou até mesmo eliminar o
inferior.
Desta idéia totalmente
preconceituosa do superior-inferior devem seguir uma lógica de dominação e
submissão pura até eliminá-lo, como o caso da 2ª Guerra Mundial em relação ao
genocídio contra os judeus, comandadas pelo “fuhrer
(todo-poderoso)” Hitler com sua mente astuta e persuasiva convence os
alemães com tal ideologia nociva.
Segundo Bobbio (2002, p.110), o
nazismo para chegar a tal conclusão passou por três fases: “a) os judeus são diferentes dos arianos; b) os arianos são uma raça
superior; c) as raças superiores devem dominar as inferiores, e até mesmo
eliminá-las quando isto for necessário para a própria conservação.”
- Vários tipos de discriminação.
Existe a discriminação visível e
palpável, cuja idéia pensamos que seja única, mas não é, esta discriminação é a
racial. A outra é invisível, muito
sutil e legítima que é a própria lei nas fachadas dos tribunais: “A lei é igual para todos”. (BOBBIO, 2002,
p.111) Sim, como princípio teórico, mas
não na prática desta lei.
Exemplo atualíssimo cuja
discussão acontece em ambientes políticos é a discriminação com respeito aos
portadores de deficiência, sobretudo nos ambientes onde se elabora a política
escolar.
Existe também a discriminação por
classe social, entre ricos e pobres, porque o rico tudo pode e o pobre nada
pode? Porque o dinheiro está, quase sempre, acima da lei sendo que é igual para
todos? È uma questão de caráter, virtudes ou vícios, ou puro preconceito e
discriminação?
Perante as questões acima
levantadas partem com certeza da desigualdade entre indivíduos, e entre grupos.
Para Bobbio (2002, p.112) “a distinção
principal (...) é entre desigualdades naturais e desigualdades sociais”. Um
exemplo clássico é a diferença natural entre o homem e a mulher ao passo que a
diferença lingüística é social ou histórica.
Partindo de pressupostos
filosóficos, há estudos sobre a natureza humana como Jean Jacques Rousseau em
sua obra: Discurso sobre a origem da
desigualdade entre os homens, conforme Bobbio diz: (2002, p.112) “ele sustenta que a natureza fez homens
iguais e a civilização os tornou desiguais”, ou seja, os homens nascem bons
selvagens, mas a sociedade os corrompe, voltando toda uma teoria para igualdade
humana. Como contraponto tem outro pensamento sobre a natureza humana, na
contra de Rousseau, é Nietzsche em sua obra (BOBBIO, 2002, p.112,113): “Além do bem e do mal” “os homens são por
natureza desiguais e apenas a sociedade, com sua moral de rebanho, com sua
religião baseada na compaixão pelos ‘defeituosos’, é que fez que eles se
tornassem iguais” e ainda continua
dizendo (BOBBIO, 2002, p.113): “Onde
Rosseau vê desigualdades artificiais e portanto condenáveis e superáveis,
Nietzsche vê desigualdades naturais e portanto não condenáveis, nem
superáveis”.
Em relação como nasce o
preconceito nas desigualdades, Bobbio (2002, p.113) afirma:
(...) com freqüência o
preconceito nasce da superposição a desigualdade natural de uma desigualdade
social que não é reconhecida como tal, sem, portanto que se reconheça que a
desigualdade criada pela sociedade e que, ao não ser reconhecida com tal, é
considerada ineliminável. Isto ocorreu precisamente na questão feminina.
Esta desigualdade natural da
questão feminina tornou-se preconceito porque ainda vivemos com base numa
sociedade patriarcal machista, por isso nasce o preconceito fundado na natureza
não humana, mas puramente animal, a lei da selva, os fortes aniquilam os
fracos. Temos a questão também dos doentes mentais, dos homossexuais, onde na
Grécia Antiga o homossexualismo era considerado natural e cultural, não existia
o preconceito.
Desde que o homem é homem, existe
uma tendência natural para unificação dos fenômenos sociais, como exemplo: a
religião e a língua é um produto social, no qual ambas idealizam a universalidade,
ou seja, uma religião e língua para todos.
Segundo Bobbio (2002, p.114) as
diferenças entre desigualdades naturais e sociais devem ser tomadas com muita
cautela, “Ela serve, porém, para que se
compreenda que o preconceito é um fenômeno social, é o produto da mentalidade
de grupos historicamente, e precisamente como tal pode ser eliminado”.
- Preconceito e Minorias.
De acordo com Bobbio (2002,
p.114): “o preconceito de grupo é
geralmente um preconceito da maioria em relação a uma minoria. Típico neste
sentido é o preconceito racial. Vítimas do preconceito de grupo são normalmente
as minorias étnicas, religiosas, lingüísticas, etc.”.
A emancipação das mulheres no
mercado de trabalho no final do século XX é um exemplo adverso que nem sempre a
relação de preconceitos com a minoria é realmente minoria, pois a crescente
valorização das mulheres no mercado de trabalho é vigente em nosso tempo atual.
- Conseqüências do preconceito.
Como já comentado no item
anterior ‘preconceito e discriminação’,
as conseqüências podem ser visíveis (racial) ou invisíveis (jurídica).
Segundo Bobbio o combate destas
conseqüências é preciso ser feito e inicia em três níveis diversos, o primeiro
é a discriminação jurídica “todos são iguais perante a lei” (2002,
p.116). A conseqüência dessa discriminação era naturalmente uma limitação.
A segunda conseqüência, ainda
mais grave, da discriminação é marginalização
social. O filósofo francês Michel Foucault comenta sobre este tipo de
discriminação em sua obra “Vigiar e Punir
– História das prisões” quando as instituições da sociedade que representam
à padronização do sujeito moderno, no qual aqueles que não se enquadram em tal
padronização de qualquer instituição está completamente excluído,
marginalizado, principalmente por causa do tipo de sociedade em que vivemos
atualmente, uma sociedade do consumo, capitalista, “onde quem tem mais chora
menos”, neste processo escravização do individuo, ele torna-se uma coisa, um
objeto, em termos de Adorno e Horkheimeir filósofos da escola de Frankfurt “a
coisificação do homem”, tendo como conseqüência o surgimento “quase normal”
para uma sociedade de “normais padronizados” o preconceito com efeitos altamente
de exclusão e marginalização.
A terceira fase do processo de
discriminação – a mais grave, segundo Bobbio (2002, p.117) “(...) é a perseguição política (...) o uso também da força para
esmagar uma minoria de desiguais”. Com certeza, a mais prejudicial, pois
forma uma máfia política em nome da constância de um grupo no poder, e aqueles
que aparecem com novas idéias são perseguidos, sufocados e até eliminados, ou
seja, ou entra no jogo da política suja ou é perseguido, tudo isto em nome da
autoridade superposta em nome de uma “democracia”. O processo de discriminação
acontece com a minoria em alguns casos, por que no caso gritante do abismo da
classe social entre ricos e pobres, quem é a minoria são os ricos, e a maioria
são os pobres, e esta diferença aumenta cada dia, ou seja, a perseguição neste
caso é contra a maioria por meio de uma lógica vigente da sociedade
capitalista.
- O Racismo hoje.
Uma das conseqüências mais fortes
e diretas do preconceito e suas discriminações é o racismo. O racismo é fruto
do preconceito, e o preconceito étnico é um dos mais perigosos e que infestam nossa
mente. O preconceito não apenas provoca opiniões errôneas, mas, diferentemente
de muitas opiniões, é mais difícil de ser vencido, pois o erro que ele provoca
deriva de uma crença falsa e não de um raciocínio errado que se pode demonstrar
falso, nem da incorporação de um dado falso.
Quem não tem preconceitos que
atire a primeira pedra. Muitas vezes combatemos um preconceito com outro. Não
há nada mais irritante que um anti-racismo preconceituoso, que se recusa a
levar em conta as razões reais do racismo.
O racismo surge como atitude de
desconfiança para com o diferente e uma das razões: é material, para o
surgimento e o desenvolvimento de uma atitude racista, ou seja, a convivência
não procurada, e até mesmo forçada, ou a temida concorrência no mercado de
trabalho, a predisposição mental da qual nasce o racismo é o chamado
etnocentrismo.
Segundo Bobbio (2002, p.127,128)
existem três condições como postulados do racismo como ideologia:
1. A Humanidade está dividida em raças
diversas, cuja diversidade é dada por elementos de caráter biológico e
psicológico, e também em última instância por elementos culturais.
2. Não só existem raças diversas, mas
existem raças superiores e inferiores (...) Os critérios de tempos em tempos
adotados podem ser estéticos: “Nós somos bonitos e eles feios”; ou
intelectuais: “Nós somos inteligentes e eles não”; ou morais: “Nós somos bondosos
e eles são malvados”.
3. Não só existem raças, não só existem
raças superiores e inferiores, mas as superiores, precisamente porque são
superiores, têm o direito de dominar as inferiores, (...) todas as vantagens
possíveis.
Nestes três aspectos apontados
por Bobbio do racismo como ideologia: o primeiro é o postulado cientifico em
que sabemos logicamente a diversidade das raças da espécie humana, mas através
deste postulado cientifico, em nome dele, é que o racismo acaba tornando-se uma
ideologia, ou seja, em nome da diversidade de raças no qual são constatadas as
diferentes raças da humanidade é que construído as outras duas premissas são
tomadas como válidas, tanto a segunda como principalmente a terceira, no qual
constata a premissa pura de racismo.
A partir desta primeira premissa
o racismo acaba tornando-se uma “justificativa cientifíca”, ou seja, uma
ideologia plausível, é como se disséssemos assim: “as raças são diferentes, se
são diferentes, logo uma raça pode e
deve ser superior às outras”, como a
lei da selva entre os animais, mas somos animais racionais políticos como dizia
Aristóteles, temos a possibilidade de escolha, de decidir em que acreditar como
ideologia ou não.
Se aceitarmos a diversidade das
raças como superior ou inferior estamos sob a égide dos instintos animais, “lei
da selva”, diante da irracionalidade fundamentado com o pensamento de Thomas
Hobbes afirmando que: “O homem é o lobo do homem”, ou seja, pela nossa natureza
humana, somos impelidos naturalmente a uma competição entre raças, podendo
assim os superiores dominar os inferiores.
Se aceitarmos a diversidade das
raças como algo natural sob a égide da racionalidade humana tendo como
princípio norteador a espécie humana em sua íntegra e reconhecendo sua
diversidade não como dominadora, mas como uma construtora que aprende com a
abertura, o diálogo constante e o respeito com o diferente, sendo assim
mantenedor da espécie humana.
Em contrapartida se o racismo é o
fruto do preconceito, e o preconceito é o fruto da mescla da natureza humana,
podemos aceitar ou não os postulados apresentados por Bobbio como ideologia,
tudo depende da escolha livre de cada sujeito consciente ou não, mas como
tendência atual do racismo, a tendência é de caminharmos para as possibilidades
oferecidas diante de um diálogo, uma arma crescente contra qualquer tipo de
racismo preconceituoso.
Segundo Bobbio (2002, p.130)
afirma que: “Não há outro caminho para
combater o preconceito racial senão uma educação orientada por valores
universais”.
A educação como caminho e via
para combater o preconceito racial, é lógico, sem pretensão de eliminar, mas de
combater e até prevenir.
Mas o que são estes valores universais?
Bobbio (2002, p. 131) afirma que:
Educação universalista e
democracia, de resto, procedem no mesmo passo, enquanto democracia e racismo
são incompatíveis, ao menos por duas razões: a democracia, diferentemente dos
governos autocráticos, inspira-se em princípios universais, como a liberdade, a
justiça, o respeito pelo outro, a tolerância, a não-violência. O racismo é
antiliberal, antiigualitário, intolerante e, nos casos extremos, violento e
criminoso (Auschwitz nos ensina!). Em segundo lugar, a democracia é inclusiva,
na medida em que tende a incluir na própria área os “outros” que estão fora,
para estender também a eles os próprios benefícios, dos quais o primeiro é o
respeito a todas as fés.
Mas a educação universal não é
suficiente se não se transforma em ação correspondente. Não basta a educação,
mas também não bastam as instituições políticas. Torna-se sempre necessária a
ação a partir de baixo. As instituições não estiveram até agora à altura da
situação. Não há outro remédio contra a insuficiência do Estado senão o
surgimento de iniciativas na sociedade civil. Assistimos quase que a um
verdadeiro retrocesso histórico: o Estado social surgiu para tornar inúteis as
obras de caridade. Mas hoje que o Estado social se revelou impotente para a
tarefa, as obras de caridade revelam toda a sua jamais extinta vitalidade.
Por uma educação universalista e
a democracia, seria uma solução plausível segundo Bobbio para combater o
racismo hoje, mas o que se torna uma solução pode ser um grande problema,
porque é complexa a convivência humana em sociedades abertas, e até
“democráticas”, com fundamentos universalistas, eis a aporia apresentada: Como
fica a liberdade e individualidade do sujeito para escolher e decidir por qual
educação optar? A padronização é a solução?
Portanto, a questão do
preconceito racial fundamentado no pressuposto cientifico da diversidade das
raças, e construído logo dois pressupostos a mais que fundamentaria o racismo
deveria ser combatido com uma educação universalista e a democracia segundo
Bobbio, mas na realidade vimos que não é bem assim, devido a complexidade que
envolve a liberdade humana no processo de escolha. Na questão política, a
democracia, seria uma solução utópica até melhor, mas na prática atual isto é
só no papel, porque no ritmo acelerado de vida que é imposto para vivermos na
sociedade, a lógica da competição do que pela lógica da solidariedade e
respeito pelo “outro” é muito mais vigente do que pela outra lógica.
Por isso, acabamos numa conclusão
inconcludente no próximo item.
- Conclusão inconcludente.
É difícil concluir algo sobre
preconceito sendo que não é possível concluir ou dar uma resposta pronta, certa
e final de como eliminar o preconceito.
Segundo Bobbio (2002, p.117)
afirma que:
(...) os preconceitos nascem
na cabeça dos homens, por isso, é
preciso combatê-los na cabeça dos homens, isto é, com o desenvolvimento das
consciências e, portanto, com a educação, mediante a luta incessante contra
toda forma de sectarismo.
Se o preconceito nasce nas
cabeças dos homens eis então o problema formado, fica extremamente complicado
tentar eliminar o preconceito porque cada homem tem suas crenças cultural-históricas,
tem uma vivência a partir de suas escolhas quando sua consciência estiver em
uso, e a relação cotidiana empírica agrega valores ou preconceitos, ou seja,
por cada homem ser único e livre em suas opções de vida, eis a complexidade de
combater o preconceito em minha visão, porque como vamos combatê-la sendo que
cada homem tem sua individualidade e liberdade de escolhas? A não ser que como
disse Foucault e Adorno também crie uma “padronização” de consciências no qual
já existe só que para meios de dominação, ao invés de dominar seria para
libertar por meio da educação de consciências abertas, críticas e autocríticas,
porém não seria também outra maneira de ‘dominação’? Eis uma conclusão
inconcludente.
Mas Bobbio (2002, p.118) afirma
que: “Para se libertarem dos
preconceitos, os homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre”. Ele aposta na democracia como uma solução
prévia de disseminação dos preconceitos, onde a sociedade expressa opiniões
livremente, sem censuras e restrições, portanto, existe o confronto natural de
opiniões que possibilitam o debate, a discussão como fundamentos racionais
desta forma de governo livre: a democracia.
No entanto apostar na democracia
como uma sociedade igualitária não é possível porque vivemos em tempos de
diversidade e pluralidade de culturas e visões de mundo, não existe uma verdade
única e absoluta que conduzirá os homens por uma única via de ‘salvação’, como
vimos no paradoxo filosófico depurado tanto por Rousseau e Nietzsche em suas
investigações feitas sobre a natureza humana.
Será o preconceito algo natural
baseado na diversidade e ao mesmo tempo na unicidade do homem de ontem, de hoje
e de sempre? Como constituir uma sociedade igualitária se somos desiguais por
natureza segundo Nietzsche? Ou como manter a natureza humana intacta se a
sociedade é desigual segundo Rousseau?
Eis a conclusão inconcludente
porque apresenta um paradoxo filosófico de caminhos diferentes que se entrecruzam
a todo instante, pois se refere à natureza humana no qual é complexa tanto na
sua unicidade como na sua multiplicidade.
- Uma solução possível.
Norberto Bobbio coloca como solução possível
para a problemática sobre a natureza do preconceito o conceito de serenidade. “A serenidade é, portanto, uma virtude não
política”. (2002, p.46) Para ele identifica o sereno como o não violento, a
serenidade com a recusa a exercer a violência contra quem quer que seja.
O que é a serenidade segundo Bobbio (2002,
p.40/41)?
O
sereno é, ao contrário, aquele que ‘deixa o outro ser o que é’, ainda quando o
outro é arrogante, o insolente, o prepotente (...) O sereno não guarda rancor,
não é vingativo, não sente aversão por ninguém. Não continua a remoer as
ofensas recebidas, a alimentar o ódio, a reabrir as feridas. (...) O homem
sereno é tranqüilo, mas não submisso, repito, e nem mesmo afável: na
afabilidade há certa grosseria ou falta de refinamento na avaliação dos outros.
Com esta virtude não política: a
serenidade é uma das formas de combater o preconceito e suas mazelas na
sociedade, como ele mesmo afirma acima, o homem sereno é tranqüilo, mas não
submisso, ou seja, a serenidade é sinal de proteção do seu eu e consciência dos
seus limites perante o outro.
O cultivo desta virtude, a
promoção desta virtude, a educação desta virtude, ameniza, mas não resolve
definitivamente o problema do preconceito, pois enquanto há indivíduos egoístas
haverá o preconceito nas consciências prevalecendo ainda a discriminação racial
e outras coisas.
A serenidade é cultivada pela
alma e não pelo corpo, de certa forma até é uma virtude ética não política
platônica, pois devemos cultivar a alma em si para que o divino venha a nós em
forma dos atos humanos, suavizando as relações e contatos que temos
constantemente com o diferente sem discriminação.
Referência Bibliográfica:
BOBBIO,
Norberto. Elogio da Serenidade e outros
escritos morais. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora UNESP,
2002.
ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e
os Fundamentos da Desigualdade entre os homens. Volume II. Tradução de
Lourdes Santos Machado. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 2005.
NIEZSCHE, Friedrich.
Para Além de Bem e Mal – Prelúdio de uma
filosofia do porvir. Consultoria: Marilena de Souza Chauí. São Paulo:
Editora Nova Cultural Ltda., 2005.
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