Resenha XI
“O Indivíduo como limite da
racionalidade ‘ir’racional”
Fundamentado
no texto: “A Resistência e o Conformismo da Monâda Psicológica” de (José Leon
Crochik)
O “individuo” para T. W. Adorno é analisado pelas interpretações psicanalíticas
freudianas como “mônada psíquica” (CROCHIK,
2001, p.18), ou seja, Freud não propôs teorias sobre relações intersubjetivas,
no qual foi seguido pelos frankfurtianos, mas mônadas ou indivíduos fechados,
enclausurados em si mesmo, cortando assim a “relação individuo-sociedade”.
Segundo Adorno (ADORNO, 1956,
p.52/53):
Só é indivíduo aquele que
se diferencia a si mesmo dos interesses e pontos de vistas dos outros, faz-se
substância de si mesmo, estabelece como norma a autopreservação e o
desenvolvimento próprio [...] Quanto menos são os indivíduos, tanto maior é o individualismo.
O indivíduo já é um projeto Moderno concebido desde a Antiguidade com o
clássico: “Odisséia”, com o
personagem Ulisses – o astuto – de Homero; aqui temos “vestígios do homem moderno” (CROCHIK,
2001, p.19). A astúcia é condição de possibilidade e desenvolvimento de
estratégias e táticas para se enfrentar os perigos da subjetividade no mundo
Moderno.
Segundo Crochik (CROCHIK, 2001,
p.19):
O
medo é a base da constituição do indivíduo e da cultura burguesa e a regressão
do esclarecimento ao mito revela-se, entre outros motivos, pela conversão dos
meios de autoconservação – a dominação e o sacrifício – em fins [...] o
individuo desde os primórdios marca-se pela resistência à dominação e como
dominação.
Conforme Adorno afirma (apud CROCHIK, 2001,
p.20): “A lógica do indivíduo não é a
mesma sociedade, mas é mediada por ela”. A relação indivíduo-sociedade é
marcada pela mediação dela mesma, pela resistência à dominação e como
dominação, ou seja, a resistência não é tanto resistência, mas sim outra forma
de dominação, o qual configura-se no personagem “Ulisses”, com sua astúcia frente aos perigos da Modernidade.
Tanto astúcia quanto o medo estão
ligadas neste processo de resistência e conformismo dos indivíduos em relação à
sociedade.
Crochik nos afirma assim
(CROCHIK, 2001, p.20): “[...] o
descompasso entre o inconsciente e o consciente é fruto das contradições
sociais”. O inconsciente é visto como um depósito negativo do progresso
como resultado. “[...] o medo, o medo de
ser expulso da coletividade, que se associa a um medo mais primitivo: o medo de
ser destruído”.
O comportamento dos indivíduos é
baseado neste medo primitivo que acaba sendo mais inconsciente do que consciente
por ser introjetado pela cultura dos meios de comunicação de massa em nosso
cotidiano. “Segundo Adorno, a vitória da
sociedade sobre o indivíduo é a vitória do id sobre o ego” (CROCHIK, 2001,
p.21).
A sociedade sufoca o individuo numa
“panela de pressão psicológica”. O
sujeito como mônada psíquica abandona os ideais éticos antigos e clássicos da
filosofia grega, e hoje a busca é pela felicidade em nome da coletividade que
suprime com certeza a individualidade, a sociedade vence o indivíduo pela
pressão psicológica desnorteando dos verdadeiros ideais como: felicidade e
liberdade.
Eis a pergunta no sentido
inverso: de vez de perguntarmos: Quem sou eu? Perguntam: Quem somos nós? Porque
somos dissolvidos na coletividade reflexiva do indivíduo em seu meio social,
daí surge o narcisismo exarcebado.
Segundo Crochik afirma (CROCHIK,
2001, p.23): “Além do narcisismo implicar
o enfraquecimento das relações individuais, nutre-se das pulsões
autoconservadoras, que numa sociedade que ameaça a autoconservação a todo o
momento, são exarcebadas”.
Com este enfraquecimento, o
narcisismo torna-se segundo (CROCHIK, 2001, p.24) “a irraciona-lidade” da racionalidade, ainda mais, diz (CROCHIK,
2001, p.25): “O indivíduo não deveria se
fortalecer, mas enfraquecer”; por sua própria racionalidade ir-racional, ou
seja, a lógica do racional é irracional em suas relações mediatas, pois o
indivíduo torna-se um produto, e o produto pode vir-a-ser um indivíduo, uma
relação dialética de troca de sujeito para objeto, de objeto para sujeito.
Neste emaranhado da racionalidade
‘ir’racional afirma (CROCHIK, 2001, p.26): “Os
conhecimentos da psicologia e da sociologia não devem ser acomodados um ao
outro e, sim, confrontados entre si, para se entender a relação existente entre
a autonomização da sociedade em relação ao indivíduo e a regressão individual”.
Tanto a psicologia como a
sociologia são relevantes no quesito da “relação indivíduo-sociedade” levando em
conta a complexidade desta relação que devem ser confrontadas, debatidas,
discutidas tendo como fim. A
“relação” e não o indivíduo e nem a sociedade. Esta “relação” perpassa desde a
Antiguidade com a definição aristotélica do homem em sociedade como diz Adorno
(ADORNO, 1956, P.49): “considera o homem
um ‘um ser destinado à vida em sociedade’ e atribui-lhe uma ‘tendência
associativa’, pois só em sociedade ele é capaz de desenvolver toda a sua
potencialidade natural”.
A resistência e o conformismo à
dominação levam o indivíduo à perda da experiência vivida na sociedade
substituída por uma vida repetitiva, conforme afirma (CROCHIK, 2001, p.29):
Não
há como ser feliz ilhados pelo sofrimento, não há como ser livres dentro da
prisão, que não é percebida como prisão. A consciência dos mecanismos ao
aprisionamento deveria ser o objeto de uma psicologia que vise à liberdade.
A ausência de consciência é grave
em relação às experiências dos indivíduos na sociedade, é puramente automático e
mecânico, não existe um processo reflexivo do indivíduo, porque também não há
tempo para tal atividade, o que importa é fazer não refletir e desenvolver uma
consciência crítica, lúcida da onde emanciparia o sujeito social.
Falar de liberdade como objeto
psicológico é complexo, pois ela própria serve como um mecanismo de dominação e
manipulação do indivíduo. Os ideais éticos como: felicidade e a liberdade são
termos abstratos demais para se concretizarem na vida social, mas é válidas a
fabricação, a compra e venda destes conceitos abstratos como produtos simples a
serem adquiridos, experimentados, abusados, porque não são mais “um fim em si
mesmos”, mas apenas meios de dominação constante sobre o indivíduo que a
Modernidade inventou, criou: “o indivíduo”.
A “felicidade” e a “liberdade” em
termos abstratos vendidos, fabricados, comprados, desejados, explorados das
maneiras mais perversas e estúpidas possíveis como, por exemplo: livros de
auto-ajuda (Seja feliz em 60 minutos), como se a felicidade enquadra-se no
tempo e no espaço e a psicologia ajuda com isto, filmes de comédias ridículos,
músicas sem letras e sem sentidos. Não existe mais a moral dos valores,
axiologia, mas a sua inexistência ou inversão deles.
A “indústria cultural” é que
produz, fornece, propaga, alimenta esta cultura da bestialidade em nossa
sociedade e, promove não-consciência do indivíduo, enfraquecendo-o e
manipulando-o. Assim afirma (CROCHIK, 2001, p.30): “A estupidez desenvolvida pelos meios de comunicação de massa, entre
eles a escola, ocultaria, próximo da consciência individual, a percepção do
ridículo da situação”.
A “escola” é um meio de ocultar,
de retirar, de não ensinar a percepção do ridículo da situação que o indivíduo
encontra-se no social. Ela propaga por meio da “indústria cultural” a falência
da cultura, da educação, não existe motivação para estudar e muito menos se
educar.
Existe o prazer, o gosto, a
diversão em prol do ridículo, da estupidez propagada também pelos meios de
comunicação de massa como: a mídia, a televisão, o rádio; o que causa as
dificuldades da formação popular.
Segundo Crochik afirma (CROCHIK,
2001, p.30/31):
As
dificuldades da formação popular também não se reduzem à falta de ócio dos
trabalhadores, mas a ausência de uma relação com a cultura que não deve ser
entendida nem como adaptação imediata, nem como ‘finalidade sem fim’, mas como
algo que promova a humanidade, esse sujeito social, segundo Adorno, até hoje
não configurado plenamente.
Tal dificuldade está concentrada
na relação com esta cultura imediatista bombardeada a todo instante pelos meios
de comunicação de massa com finalidade de enfraquecer, manipular e dominar o
indivíduo; daí a falta de conscientização, os indivíduos são absorvidos, por
esta cultura do hic et nunc (aqui e
agora), a criação de pseudonecessidades para preencher o vazio que esta
racionalização ‘ir’racional faz com o indivíduo por meio da “indústria
cultural”, tornando-se indivíduos-objetos ou mônadas psíquicas.
Ainda mais diz Crochik (CROCHIK,
2001, p.31):
Toda
educação se quer desenvolver a inteligência, deve promover a sensibilidade que
propicia a diferenciação dos objetos entre si e do próprio sujeito [...] a
homogeneização que existe dentro das escolas e em suas classes quanto ao nível
de aproveitamento e interesse dos alunos faz violência à diferenciação entre os
homens.
Portanto, nesta relação
indivíduo-sociedade na esfera educacional escolar é reproduzido os estados
inconscientes dos indivíduos ou mônadas psíquicas retirando “a consciência e a
percepção” dos alunos e professores. Há uma reflexão da não-reflexão, ou
melhor, a consciência da não-consciência, o qual é promovido incessantemente e
padronizado a todas as escolas.
Segundo Crochik, a possível
solução é apresentada por Adorno é (CROCHIK, 2001, p.31):
A
auto-reflexão, tida por Adorno como uma das tarefas principais da educação,
deve levar a nos refletir como objetos, determinados que somos, para que
possamos diferir os nossos interesses dos da dominação.
A educação auto-reflexiva como
condição de possibilidade da autonomia dos indivíduos em sujeitos emancipados
em meio à sociedade como dizia Adorno. Acreditar na educação como via de
desobstrução da idiotice irresoluta dos meios de comunicação de massa através
da “indústria cultural”. Uma atitude auto-reflexiva propõe pelo menos a
liberação da consciência do sono dogmático do indivíduo preso, resistente e
conformado com a dominação.
Bibliografia:
CROCHIK, José Leon.
PSICOLOGIA & SOCIEDADE, “A Resistência e o Conformismo da Mônada
Psicológica”. Vol. 13 número 2 julho/dezembro de 2001.
ADORNO, T. W. SOZIOLOGISCHE EXKURSE – Nach
Vortragen und Diskussionen. Frankfurt am Main: Eurpaische Verlagsanstalt, 1956.
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