Apresentação do Mestrado na PUCSP - 02/10
“O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung no primeiro capítulo da Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer” (MESTRADO EM FILOSOFIA- SAM)
A
Dialética do Esclarecimento remete, justamente, a esse título, devido à dialética como herança
hegeliana-marxista da Escola de Frankfurt. A dificuldade de enfrentamento da
DE, fortalece e abre a perspectiva no exercício constante da dialética, nos
colocando dentro de toda problemática.
Ao apresentar sobre a dificuldade da DE, surgem algumas questões a serem
investigadas, são elas: Como se dá a transformação da dominação da natureza
tanto no mito como no esclarecimento? É possível resgatar a emancipação do
sujeito? Existem elementos temáticos contidos neste entrelaçamento dialético
que reforçam a dominação e diminuem as possibilidades de emancipação do sujeito
que se diz pensante?
Em hipótese, há elementos temáticos contidos no entrelaçamento dialético
entre Mito e Aufklärung que reforçam a dominação, mas há também outros
elementos que apontam para a possível solução: o resgate do processo
emancipatório do sujeito contemporâneo. Esta é a proposta da pesquisa, no
entanto, para fazer uma relação aproximativa em torno do tema, é preciso
delinear melhor os parágrafos.
Mediante estas indagações, iniciemos pelo primeiro capítulo: “Uma
introdução a partir do Prefácio da Dialética do Esclarecimento”.
No item 1.1 - Como surgiu a
Dialética do Esclarecimento?
A DE foi escrita, primeiramente, a duas mãos com Max Horkheimer e seu
antigo projeto: que era escrever um livro sobre a lógica dialética, em 1941, em
Los Angeles, devido à fuga do nazismo; cuja finalidade deste projeto: trata de
aspectos antropológicos enraizados no modo burguês de ser e, por outro lado,
aborda criticamente o cientificismo positivista enquanto ideologia tácita do
capitalismo tardio. Posteriormente, a DE
ganha o reforço importante de Theodor W. Adorno, então, agora escrita a quatro
mãos. (Cf. TIBURI e DUARTE, 2009, p.13, 14) Outra contribuição decisiva “post-mortem” de Walter Benjamin
trata-se do impacto sobre Horkheimer e Adorno das suas teses “Sobre a filosofia da história”.[1]
No item – 1.2 discuto: “A proposta configurada no prefácio da DE.”
Mas qual seria a ideia exposta no prefácio de 69?
Segundo Marcia Tiburi e Rodrigo Duarte
dizem: “[...] que é preciso tomar partido “pelos
últimos resíduos de liberdade, pelas tendências ainda existentes a uma
humanidade real”.” (TIBURI e DUARTE, 2009, p.09,10)
Existem oito pontos cruciais no
prefácio de 69 que abordo sinteticamente:
Primeiro Ponto – desproporção
entre a obra e os autores. A desproporção encontrada é devida à dificuldade dos
autores numa excessiva confiança na consciência do momento presente
(cientificismo). A dificuldade de distanciamento da realidade vivenciada [presente]
para realidade observada [passado] relatada na obra alerta-nos a tomar cuidado
com a confiança na filosofia do momento presente, para que não ofusque a
densidade da obra. Enfim, os autores concluem que é preciso abandonar tal
confiança para dar o “corpus” da obra, por isso, toda complexidade e densidade
confrontam as ideias novas com a realidade momentânea vigente. (Cf. DE, p.11)
Segundo Ponto – crítica à
ciência moderna. Qual é o sentido da ciência?
Enfim, o que se
torna problemático na civilização burguesa não é apenas a atividade, mas o
sentido da ciência. Quando os autores questionam o sentido da ciência, eles
perscrutam quais motivos que a humanidade está se afundando em uma nova
barbárie. (Cf. D.E., p.11) Para fundamentar melhor esta crítica de Adorno e
Horkheimer, cito Fabio Akcelrud Durão: “O
progresso do regresso é uma questão atualíssima, que merece ser investigada com
cuidado.” (Cf. DURÃO, 2009, p.18) Enfim,
podemos perguntar: Que tipo de progresso é este que regride?
Terceiro
Ponto – Infatigável constatação da autodestruição do esclarecimento.
A autodestruição
do esclarecimento força e empurra o
pensamento recusar o último vestígio de inocência em face dos costumes e das
tendências do espírito da época. Segundo Adorno e Horkheimer (D.E., 1985,
p.12): “[...] o pensamento
inevitavelmente se converte em mercadoria e a linguagem em seu encarecimento.”
Por fim, ao invés do esclarecimento promover a liberdade e autonomia do
pensamento, torna-o escravo de si mesmo, transformando-se em mera mercadoria.
Quarto Ponto – Questões sociais
presas ao processo global de produção.
Ora, se o pensamento que deveria ser o guia do sujeito livre está mais preso em seu próprio pensamento, imagine as questões sociais que são oriundas das ações humanas. E se estamos falando de questões sociais, estamos falando da Sociologia que elucidam as questões sociais a partir da crítica ao sistema capitalista, porém, tais críticas estão a serviço da ordem existente, ou seja, tem tendências que vão contra sua própria vontade, de transformar aquilo que escolheu como positivo em algo negativo, de destrutivo. [2]
Ora, se o pensamento que deveria ser o guia do sujeito livre está mais preso em seu próprio pensamento, imagine as questões sociais que são oriundas das ações humanas. E se estamos falando de questões sociais, estamos falando da Sociologia que elucidam as questões sociais a partir da crítica ao sistema capitalista, porém, tais críticas estão a serviço da ordem existente, ou seja, tem tendências que vão contra sua própria vontade, de transformar aquilo que escolheu como positivo em algo negativo, de destrutivo. [2]
Quinto Ponto – Pensamento
privado e linguagem desgastada.
Se o pensamento
autodestrói, logo, ele se priva não só do uso afirmativo da linguagem
conceitual científica e quotidiana, mas igualmente da linguagem da oposição.
Enfim, não há nenhuma resistência contra as direções dominantes do pensamento,
e o que a linguagem desgastada não faz espontaneamente é suprido com precisão
pelos mecanismos sociais. [3]
Sexto Ponto – Recaída do
esclarecimento na mitologia e na dominação.
Diante do que
foi analisado nos pontos anteriores, o que se pode concluir neste prefácio é a recaída
do esclarecimento. Adorno e Horkheimer concluem sobre o não favorecimento das
questões sociais como crítica, sobre a fraqueza do pensamento e da linguagem
que se rende ao modelo padronizado, mostrando que a causa da recaída do
esclarecimento na mitologia não deve ser buscada tanto nas mitologias
nacionalistas, pagãs e em outras mitologias modernas especificamente
idealizadas em vista dessa recaída, mas no próprio esclarecimento paralisado
pelo temor da verdade.[4]
Esta recaída não é só histórico-cultural, mas também real, haja vista, o Holocausto.
Sétimo
Ponto – O medo do desvio social.
Ora, se recaímos
na mitologia, então, agimos conforme a estrutura mitológica do pensamento que
ficou preso às respostas prontas do mito. Por isso, se sairmos do padrão
estabelecido socialmente do ideal científico, logo, surgirá o medo do desvio
social. O medo que o bom filho da civilização moderna tem de afastar-se dos
fatos – fatos esses que, no entanto, já estão pré-moldados como clichês na
própria percepção pelas usanças dominantes na ciência, nos negócios e na
política – é exatamente o mesmo medo do desvio social. [5]
Oitavo
ponto – A tomada de consciência do esclarecimento.
Tomar
consciência do esclarecimento, diz Adorno e Horkheimer não é da conservação do
passado, mas de resgatar a esperança passada que se trata. Hoje, porém, o
passado se prolonga como destruição do passado. [6]
No
segundo e próximo capítulo, abordo sobre o “entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung” de Adorno e
Horkheimer com os comentadores.
No item 2.1 – trato sobre o contexto geral da DE.
O contexto geral da DE, mostra os entrelaçamentos e detecta os pontos de
entrecruzamento entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico neste
retorno e ponto de partida que, ora é mito, ora é esclarecimento. Estes pontos
são os nós de complexidade que surge aos nossos olhos nesta viagem dialética da
razão, mas, ao mesmo tempo, podem ser vistos como possíveis brechas a ser
minuciosamente interpretada e atualizada pelos adornianos de plantão, não
perdendo de vista a complexidade vigente da obra, por que é uma característica
principal do pensamento de Adorno e Horkheimer ao usar a dialética como
instrumento depurador da razão obscurecida pelo processo totalitário.
No item 2.2 – Paradoxo Dialético:
“Esclarecimento ou Mito, Mito ou Esclarecimento”.
Pretende-se
aqui apontar para os elementos esclarecedores
no mito, bem como para os elementos míticos no esclarecimento
sob a perspectiva histórica da questão da dominação da natureza mediante o
discurso que pretende organizar o mundo tanto no mito como através da ciência
moderna. No entanto, este organizar o mundo tem seus elementos de dominação
presentes tanto na época da mitologia como na aurora da modernidade e suas
tensões conflituosas.
Afinal, o mito está contido dentro do
Esclarecimento, assim como o Esclarecimento está contido dentro do Mito, ou, um
usufrui o outro?
Segundo Jeanne Marie há uma
oscilação entre estes polos paradoxais no capítulo do conceito do
esclarecimento, então aparece uma dificuldade. Encerrando este item, ficamos na
sensação da “irresolução” deste paradoxo dialético: ora mito, ora
esclarecimento, depende do movimento dialético do texto com suas oscilações.
No item – 2.3 – Crítica do Esclarecimento.
Para Adorno e Horkheimer,
primeiramente, as verdades universais metafísicas eram o alvo de crítica do
esclarecimento com relação ao legado mítico pressuposto nas filosofias
platônicas e aristotélicas. A crítica do esclarecimento contra as tradições
platônicas e aristotélicas sobre a metafísica é pontuada em relação às
pretensões de verdades universais como imagens supersticiosas insubstituíveis. Conforme Luis Inácio de Oliveira afirma:
“[...] No projeto
da DE interessa a Adorno e Horkheimer desvendar o imbricamento entre mito e
esclarecimento que constitui a tessitura secreta e a imagem em negativo da
história iluminista da razão – é essa outra
história da razão que a obra se propõe a narrar. [...] A noção de mito é sempre
referida, por sua vez, ao esclarecimento, como sua antítese dialética e, ao
mesmo tempo, como sua contraface inseparável.” (p.142)
O
entrelaçamento entre mito e esclarecimento, notadamente, é a construção
dialética negativa da imagem histórica iluminista da razão de maneira complexa.
Enfim, não tão esclarecida assim, a história da razão ocidental é sempre
referida, por sua vez, como luz do próprio esclarecimento, porém, em seu bojo
secreto existe a dominação da natureza externa e interna “do próprio homem”. Neste
sentido, o esclarecimento promove uma luz opaca, sem vida emancipatória. Por
isso, o mito é inseparavelmente esclarecimento e vice-versa, como sua
contraface inseparável.
Portanto, tal
oscilação, na qual ora aparece o mito com indícios estruturais do
esclarecimento, ora aparece o esclarecimento com indícios estruturais do mito,
dentro do contexto da história da razão, mostra outra narração da gênese
da razão, delineada e pautada na dominação da natureza e do próprio homem. É o
que veremos no próximo capítulo, os meandros desta outra narração,
exaltando a relação de dominação entre mito, magia, ciência e arte.
No último capítulo trato sobre os “tais elementos
temáticos no entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung”, são os cinco
parágrafos específicos: §6, §7, §10, §11 e §17.
No parágrafo §6, a discussão
complexa que perpassa pela “transformação
do mito em esclarecimento”, ou seja, a sua conversão como tese central do
“Conceito de Esclarecimento” de acordo com aquilo que Adorno e Horkheimer
mostram na 1ª linha deste parágrafo: “O
mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade.” (DE,
p.24)
A transformação é uma mão-dupla de
relações dialéticas que tanto traz indícios míticos para o esclarecimento, como encontramos indícios de racionalidade e
de subjetividade no mito. Esta transformação parece mais uma depuração
dialética mítico-esclarecida, ela se torna assim uma transformação reveladora.
Revelando as novidades tanto na história da razão ocidental como no
esclarecimento em si, mostrando o quanto eles estão entrelaçados, imbricados na
origem da civilização ocidental, segundo o qual, não podemos separá-los, mito e
esclarecimento como conhecíamos pela história tradicional.
Outro momento importante neste parágrafo §6 é conforme Adorno e Horkheimer afirmam:
“[...] A magia é a pura e simples inverdade, mas nela
a dominação ainda não é negada, ao se colocar, transformada na pura verdade,
como a base do mundo que a ela sucumbiu. O feiticeiro torna-se semelhante ao
demônio; para assustá-los ou suavizá-los, ele assume um ar assustadiço ou
suave. [...] Na magia existe uma substitutividade específica.” (DE, p.24)
O processo de dominação na magia sucedia da seguinte forma: aceitavam-se
diversidades, existia uma relação de proximidade, de semelhança com o objeto e
a natureza; em contrapartida, no esclarecimento há uma relação de
distanciamento progressivo entre o sujeito cognoscente e o objeto. Portanto,
mesmo que a ilusão mágica seja da pura inverdade, quando o feiticeiro
assemelha-se aos demônios por meio do processo mimético de assustar (dominar)
ou suavizar (apaziguar) o medo presente nos homens, ainda se preserva a
dimensão da multiplicidade que se perde justamente com o esclarecimento.
No parágrafo §7, “o poder da
repetição” é o elemento constituinte do processo histórico da dominação. Subdividimos
o parágrafo §7 em cinco pontos:
O 1º ponto a ser discutido é o princípio da necessidade fatal. Tal
princípio está ativo no mito através da aceitação do destino trágico dos heróis
mitológicos, por isso, não há como escapar; já no esclarecimento com tal
“sentença oracular” (o destino mítico) “transmite
sempre o mesmo conteúdo”, sobretudo, ainda continua transmitindo e
dominando todo o sistema racional lógico, desde outrora, da época hierarquizada
dos deuses até aos paradigmas científicos modernos. Esta transmissão constante
do mesmo conteúdo, para Adorno e Horkheimer, é o elemento em comum e necessário
tanto no mito como no esclarecimento. (Cf. DE, p.26)
Como bem expressou Oliveira, o mito
e o esclarecimento são a mesma moeda, ou seja, “transmitem o mesmo conteúdo”.
Por isso, o que muda, são suas faces, um é cara (esclarecimento) e o outro é
coroa (mito), são contra faces, porém, Adorno e Horkheimer nos alertam por meio
da dialética o surgimento da novidade que é os indícios tanto do mito como do
esclarecimento contidos um no outro.
O
2º ponto é o princípio da imanência
sendo que o poder da repetição é o elemento que sobressai neste parágrafo.
“[...] O princípio da imanência, a explicação de
todo acontecimento como repetição, que o esclarecimento defende contra
imaginação mítica, é o princípio do próprio mito. A insossa sabedoria para a
qual não há nada de novo sob o sol, porque todas as cartas do jogo sem-sentido
já teriam sido jogadas, porque todos os grandes pensamentos já teriam sido
pensados, porque as descobertas possíveis poderiam ser projetadas de antemão, e
os homens estariam forçados a assegurar a autoconservação pela adaptação – essa
insossa sabedoria reproduz tão somente a sabedoria fantástica que ela rejeita:
a ratificação do destino que, pela retribuição, reproduz sem cessar o que já
era. O que seria diferente é igualado[7].”
(DE, p.26)
O poder da repetição é o fundamento deste princípio da
imanência tanto no mito como no esclarecimento, então, deduzimos que a
repetição é o elemento em comum tanto no mito como no esclarecimento, sendo que
cada um repete à sua maneira. Deste modo, a insossa sabedoria é a repetição
como modo inerente na história humana social, onde “não há nada de novo sob o
sol, [...] porque todos os grandes pensamentos já teriam sido pensados.” (DE,
p.26) Por isso, conforme Adorno e Horkheimer, a insossa sabedoria reproduzia um
tipo de sabedoria “fantástica”, no sentido que, o novo já é velho, rejeitando o
velho, e isto é fantástico. Porque ela reproduz (repete) continuamente o que,
justamente, o esclarecimento rejeita: a sustentação do destino; sendo assim,
tudo se enquadra e se iguala pelo próprio elemento da repetição como guia dos
princípios.
A insossa sabedoria é vista como uma falácea quando
afirmado que “não há nada de novo sob o sol”, porém representa certamente a
força do esclarecimento em cima da crítica constante ao mito, sobretudo quando
o esclarecimento promove críticas não somente ao mito, mas à magia e também à
tradição filosófica através da ciência moderna ficando assim enredado em nova
mitologia. Esta força se revela como repetição do que já era, por isso, insossa
sabedoria, uma sabedoria aparentemente insípida, embora, extremamente camuflada
em suas intenções totalitárias com a proposta da emancipação do indivíduo
moderno.
O 3º ponto é o preço da identidade de tudo com tudo. Segundo Adorno
e Horkheimer interpretam, a meu ver, talvez de modo pessimista ou exagerado,
este poder da repetição com a identidade de tudo com tudo, eliminando o que não
pode ser medido.
“[...] O preço que se paga pela identidade de tudo
com tudo é o fato de que nada, ao mesmo tempo, pode ser idêntico consigo mesmo.
O esclarecimento corrói a injustiça da antiga desigualdade, o senhorio não
mediatizado; perpetua-o, porém, ao mesmo tempo, na mediação universal, na
relação de cada ente com cada ente.” (DE, p.27)
O
poder da repetição prolifera na doutrina da igualdade. Para Adorno e Horkheimer
o preço alto que pagamos pelo totalitarismo do conceito de identidade (a
identidade de tudo com tudo, tudo = tudo), ou, o extremo oposto, o nada
diferente do tudo (nada ≠ tudo), está na fórmula sedenta e corrosiva da
plurivocidade do mundo: ‘tudo abarca tudo’ dentro do esclarecimento, nada pode
ficar de “fora”.
O 4º ponto é a
unidade da coletividade manipulada. Segundo Adorno e Horkheimer afirmam:
“[...] A unidade da coletividade manipulada
consiste na negação de cada indivíduo; seria digna de escárnio a sociedade que
conseguisse transformar os homens em indivíduos. [...] O mito de fancaria dos
fascistas evidencia-se como o autêntico mito da antiguidade, na medida em que o
mito autêntico conseguia enxergar a retribuição, enquanto o falso cobrava-o
cegamente de suas vítimas.” (DE, p.27)
A
unidade da coletividade manipulada é a massa amorfa que nega a individualidade
nas teias do mundo administrado, sendo que o combustível do capitalismo tardio
é o individualismo preso ao sistema esclarecido, no entanto, a negação da
individualidade é a máxima deste sistema que promove o individualismo, pois a
competição entre os indivíduos é a mola propulsora deste, fortalecendo o
individualismo e não a individualidade
. Perante esta massificação dos
indivíduos, qualquer sociedade é digna de deboche quando pretende “transformar
os homens em indivíduos.” O fascismo é exemplo clássico desta unidade da
coletividade manipulada.
O 5º ponto é a
abstração. Adorno e Horkheimer afirmam: “A abstração, que é o instrumento do esclarecimento,
comporta-se com seus objetos do mesmo modo que o destino, cujo conceito é por
ela eliminado, ou seja, ela se comporta como um processo de liquidação.” (DE,
p.27) A ‘abstração’ e o ‘destino’ são os elementos primordiais tanto no
mito como no esclarecimento que se negam mutuamente e se transformam na
história. Ora, quando o destino era instrumento do mito, negava a abstração, e
quando a abstração se tornou instrumento
do esclarecimento, negou o destino, a magia.
No
parágrafo §10 a discussão está
focada na linguagem, “a linguagem deve
resignar-se ao cálculo”. Subdividimos o parágrafo §10 em três pontos cruciais:
O 1º ponto, a linguagem na antiguidade é simbólica. A linguagem
imemorial remete ao sagrado, como por exemplo, os hieróglifos que são signos
simbólicos sagrados; já na modernidade, a linguagem, “a escrita” não remete ao
sagrado, mas ao abstrato, porque a escrita alfabética permite a
apreensão do mundo de forma mais rápida e eficiente. A escrita pode ser tanto
democrático como secreta. Conforme A. e H.:
“[...] A doutrina dos sacerdotes era simbólica no sentido de que nela
coincidiam o signo e a imagem. Como atestam os hieróglifos, a palavra exerceu
originariamente também a função da imagem. Esta função passou para os mitos. Os
mitos, assim como os ritos mágicos, têm em vista a natureza que se repete. Ela
é o âmago do simbólico: um ser ou um processo representado como eterno porque
deve voltar sempre a ocorrer na efetuação do símbolo.” (DE, p.30,31)
Desde
outrora, as doutrinas egípcias dos sacerdotes com os hieróglifos, o símbolo e o
signo estão paralelamente intrínsecos na posição primordial da linguagem
exercendo a função da imagem. Na pré-história da escrita percebemos a presença
forte do símbolo, a proximidade do signo e dos símbolos do poder sedutor e
imediato da imagem, “palavra e imagem” coincidem. Por isso, esta relação
funcional passa de tempos em tempos, dos hieróglifos para os mitos, dos mitos
para os rituais mágicos, cuja função é repetir o mesmo. A coincidência
entre signo e imagem por meio da simbologia antiga aproxima a palavra do seu
sentido com a força sedutora da imagem.
No 2º ponto a nítida separação da
ciência e da poesia que faz uma alusão à separação do mito e do
esclarecimento, “o mito converte-se em esclarecimento.” Segundo Adorno e Horkheimer esta separação
entre ciência e poesia é nítida em tempos modernos, já a transformação do mito
em esclarecimento, traz novidades na ruptura e esclarece o obscurecimento do
próprio esclarecimento. “[...] Com a nítida separação da ciência e da
poesia, a divisão de trabalho já efetuada com sua ajuda estende-se à linguagem.
É enquanto signo que a palavra chega à ciência.” (DE, p.31)
Em
linhas gerais, esta separação nítida da ciência e da poesia só acontece quando
a sociedade supervaloriza a divisão do trabalho nos tempos da Revolução Industrial,
quando no capitalismo acontece uma profunda transformação dos sujeitos em
trabalhadores em prol da produção da vida material e da mais-valia, o “lucro”,
como disse Marx. Por isso, a linguagem também se transforma frente à ciência
com seus métodos específicos e eficazes na divisão de trabalho e a linguagem
criativa artística perde sua relevância e autenticidade, pois ela pode ser
reproduzida pela técnica e não tem mais poder de ação.
A arte e a ciência se
contrapõem, mas ao mesmo tempo, tem algo em comum, são duas tendências opostas
que têm o mesmo problema: poder ser administráveis. A administração não exige
respostas finais apenas soluções imediatas. Ela é alienante, por que pensa que
resolve, mas de fato, não consegue esta proeza.
O 3º ponto a ciência se torna esteticismo, de acordo com Adorno
e Horkheimer afirmam:
“[...] A ciência em sua interpretação neopositivista torna-se
esteticismo, sistema de signos desligados, destituídos de toda intenção
transcendendo o sistema [...] a arte da copiabilidade integral, porém,
entregou-se até mesmo em suas técnicas à ciência positivista. A separação do
signo e da imagem é inevitável.” (DE, p.31)
Para
Adorno e Horkheimer a ciência se torna um sistema de signos desligados ou
destituídos de toda intenção transcendendo o sistema. A arte da copiabilidade
integral, a arte da reprodução dócil, não coloca em questão, por isso, tudo é
absorvido por este sistema de signos desconectados de imagens autênticas,
através dos cálculos e esquemas matematizados para se tornar produto da cópia. A ciência se torna esteticismo,
sobretudo, no sentido que a ciência absorve a própria arte. A arte perde seu
valor de autenticidade e é usada em mera “arte da copiabilidade integral”.
No parágrafo §11 a discussão é sobre “a mimese como função identificatória”.
De acordo com Jeanne Marie, a análise da mimese de Adorno e Horkheimer são
provenientes de Platão até o processo civilizatório do homem moderno, segundo a
qual, só faz regredir o homem dentro do novo mito.
A
mimese tem sua função identificatória que segundo Platão atrapalha a razão,
porque apela a emoções ou a paixões, como os poetas, e segundo Aristóteles, a
mimese não é de todo negativa como vê Platão, pois, ela (a mimese) é conatural
ao homem, faz parte de sua natureza, portanto, é só usá-la a seu favor e
crescimento. Mas, ao invés, de usar a favor do progresso humano, Adorno e
Horkheimer, constatam um regresso humano na forma de barbárie, por isso, Adorno
é mais platônico do que aristotélico neste sentido da discussão da mimese.
No parágrafo §17 “Ulisses - representa o astuto protoburguês”.
Adorno e Horkheimer no inicio deste parágrafo citam o duodécimo canto
da Odisséia relatando o encontro do herói Ulisses com o sedutor e
irresistível canto das sereias, como eles afirmaram: “A sedução que exercem é a
de se deixar perder no que passou. Mas o herói a quem se destina a sedução
emancipou-se com o sofrimento.” (DE, p.43) Aqui é demonstrado justamente o
entrelaçamento da gênese da civilização ocidental, numa tênue ruptura entre
dominação x trabalho e arte x renúncia da arte. A sedução é ligada ao
prazer da contemplação artística. Entretanto, o herói Ulisses resiste ao canto
irresistível das Sereias não somente com seu esforço físico, mas também
intelectual através da sua astúcia, mandando os seus subordinados concentrar
seus esforços no trabalho de remar, apenas remar sem poder ouvir, escapando do canto
sedutor e devastador das Sereias. Conforme os autores afirmam:
“[...] O que Ulisses deixou para trás entra no mundo das sombras: o eu
ainda está tão próximo do mito outrora, de cujo seio se arrancou, que o próprio
passado por ele vivido se transforma para ele num outrora mítico. [...] O
esquema tripartido deve liberar o instante presente do poder do passado,
desterrando-o para trás do limite absoluto do irrecuperável e colocando-o à
disposição do agora como um saber praticável.” (DE, p.44)
O que Ulisses deixa para trás é o
mito, o mundo das sombras. O mundo da racionalidade é o futuro, cheio de
nuvens, no horizonte. De acordo com a astúcia de Ulisses, ele traz à tona os
indícios do eu passado, mas ele se encontra amarrado firmemente no mastro que
pode representar a firmeza do presente. A liberação do poder do passado mítico
está no aparecimento do eu que escolhe e decide; a astúcia de Ulisses consiste
na renúncia à sedução mítica do canto das Sereias e no esforço
físico dos subordinados do herói Ulisses que remam (trabalham) sem cessar. O
presente se emancipa do passado, não é mera repetição do passado como era no
mito. O esquema da tripartição do tempo é o que constrói a identidade do eu. Portanto,
Ulisses é a peça chave neste quebra-cabeça interminável da dialética do mito e
do esclarecimento.
Concluindo, digo
que trabalhar o pensamento filosófico de Adorno e Horkheimer, não é tão
fácil como parece para certos leitores desavisados, porque exige do
pesquisador, muita dedicação, paciência e várias leituras retomadas sobre a DE,
especialmente, o primeiro capítulo “O Conceito de Esclarecimento” cuja
compreensão é complexa. Porém, acredito que abrindo caminhos na floresta imensa
da ignorância que persiste em habitar
em nossa mente, conseguimos enxergar de maneira mais clara, o horizonte
infindável da contemporaneidade e seus meandros nesta obra.
Não somos expectadores da história, mas somos produtores da história, com
a história e na história. Conforme Wolfgang Leo Maar comenta na obra “Educação
e Emancipação” em “A Guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa” de
Adorno o qual expressa sobre a Teoria da História baseado nas ideias de Walter
Benjamin:“[...] O passado não é um ponto
fixo” do qual deriva o presente, dissera Walter Benjamin.” (ADORNO, 1995,
p.24) Nesta perspectiva onde “o passado não é um ponto fixo”, realmente somos
produtores da história (com e na história) no contexto que Adorno e Horkheimer
nos inserem apresentando a DE, contendo todo o bojo filosófico de sua futura
teoria estética, a qual perpassa pelo capítulo “Conceito de Esclarecimento” e
na obra da DE.
Todavia, Adorno e Horkheimer como defensores iluministas da razão
esclarecida, escrevem se comprometendo para uma possível saída, mesmo que a
situação pareça sem saída. Mais tardiamente, exatamente, em 16 de julho de
1969, Adorno participa pela última vez na sede da Rádio de Frankfurt com
Hellmut Becker, o diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais da Sociedade
Max Planck, em Berlim, a uma entrevista intitulada “Educação e Emancipação”,
cuja entrevista se torna sua obra, com mesmo título da entrevista, com quatro
conferências redigidas pelo próprio Adorno. No último decênio de sua vida,
Adorno se esforça para justamente encontrar uma solução para a questão da
dominação difundindo a educação política, que para ele se identificava à
educação para a emancipação.
Então, o que seria emancipação para Adorno?
“[...] De certo modo, emancipação significa o mesmo
que conscientização, racionalidade. Mas a realidade sempre é simultaneamente
uma comprovação da realidade, esta envolve continuamente um movimento de
adaptação. A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de
adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo.” (ADORNO,
1995, p.143)
Depois de 22 anos da 1ª publicação
da DE - Adorno em “Educação e Emancipação” expressa sua noção de educação que
vimos acima clamando urgência em educar a massa para a consciência política.
Isto é um novo desafio que gera nova problemática: Como é possível educar a
massa nesta transformação constante da sociedade capitalista do consumo que
marcha mais e mais em direção ao “progresso”, ou seja, à barbárie?
No entanto, de um lado, Adorno diria
que a educação não teria sentido nenhum, se ela não incorporasse constante e
continuamente o elemento adaptativo da realidade, que seria uma educação
pautada na conscientização dialética do sujeito, assim o sujeito não estaria
aquém do processo totalitário alienante, já que está inserido no meio
social.
Por fim, o sujeito em sua impotência racional acolhe tal
irracionalidade semeada na sociedade, na tentativa de transcender a si mesmo,
transcender-se do imanente sem esquecê-lo, para escapar, por alguns instantes,
do “monstro devorador de vontades autônomas” (sistema capitalista), e começar a
respirar um pouco. Surge assim com esta depuração dialética, novos ares, novos
pensamentos para o sujeito se emancipar do processo totalitário já imposto,
mesmo que ainda esteja se sentindo preso, o sujeito já vislumbra novos
horizontes, principalmente, na arte.
Por outro lado, é inerente a
barbárie presente na sociedade como uma “ferida machucada que não se
cicatriza”, porque o eu está ferido, reprimido, quebrado. A barbárie parece até
uma “infecção interna”, que quando eclode em forma de bolha, explode de maneira
violenta e prejudicial na convivência social. Esta “infecção interna” é o
impulso autodestrutivo do eu. E se não cuidar desta ferida infecciosa do eu,
pode se tornar uma infecção generalizada, decretando a morte do eu e o caos
social. Portanto, é necessário cuidar bem desta “ferida” para sarar “as massas”
no sentido individual, surgindo consciências saudáveis, humanizadas dentro do
próprio processo totalitário.
É possível ainda acreditar no pensamento, no sujeito, é preciso
resgatar a emancipação em prol da “saúde” e integridade do eu, do sujeito.
Refazer um novo caminho na cura das feridas propiciadas pela convivência real
dos sujeitos reféns do maquinário esquematizado do pensar dominante, não é
fácil, porém, necessário. Além do mais, Adorno diria que é necessário tentar
reverter o processo de regressão através da arte, instaurando nas consciências
massificadas gotas de criatividade diversa no seu pensar, no seu falar, no seu
ser.
Encerro com um dos poemas de Bertolt
Brecht (2000) “Se fôssemos infinitos”:
“[...]
Fôssemos infinitos
Tudo
mudaria
Como
somos finitos
Muito
permanece.” (p.343)
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