Devaneios do porvir da madrugada - 00:15

“Devaneios da Madrugada”

00:15

   Engraçado como as pessoas tem sempre um veneno guardado para os últimos momentos, que por sinal, são imperdoáveis! Engraçado não! É triste, desmotivador, desencantador, decepcionante, em suma, é horrível sentir o gosto deste veneno, desta ‘cicuta’, descendo goela abaixo; envenenando meu sangue com o sentimento de ódio e de desprezo. Desprezo este, cujas palavras proferidas por uma pessoa o qual estima, ama tanto, não se espera tais palavras vindas de tal coração, de tal pessoa amada, pois, sempre pensei que num relacionamento, deveria existir a ‘famosa’ e, nunca tão presente ‘transparência’, transparência de quê e para quê?
   Transparência para justamente ir, transpor além das aparências, daquilo que aparece e está posto, está aí na ‘nossa cara’ e, por fim, não queremos enxergar. Transparência de um modo de ser, agir, pensar, falar, comportar em situações para exatamente ‘disfarçar’ e/ou ‘mascarar’ o que não se é, sendo que os envenenadores não dão a mínima para isto, pois, sendo transparentes representamos papel de trouxa, idiota, bobos, no intuito de se abrir totalmente para sermos compreendidos, eis o erro fatal, é aí, neste momento, que somos derrubados por tamanha ingenuidade por acreditar cegamente naquele que com palavras e gestos supostamente amamos.
   E o que acontece? Somos surpreendidos pelas mesmas palavras doces como mel que saiam da boca da/o amada/o, que ao serem ditas na mesma intensidade enquanto há harmonia, também na mesma intensidade é proferida no ódio, com certo prazer em dizê-las, trazendo humilhação e sofrimento alheio.
   Parece-me que pessoas deste tipo têm prazer em humilhar ou ‘colocar o dedo na ferida’, estando esta ferida já cicatrizada, mas ao tornar cutucá-la, volta a doer e sangrar mais do que na primeira vez, pois é a rememoração do sofrimento passado.
   E quando isto acontece, a transparência é abalada conjuntamente com a confiança no outro, tal pessoa não te encanta mais, pois o que era colorido passa ser sem graça, preto e branco ou cinzento. O elo, a aliança entre eles de compromisso, fidelidade e confiança está estremecida, houve uma ruptura, mostrando sinais ruins, que talvez se rompa de uma vez, ou, se faz novamente com novos laços e novas cores, mas geralmente, acaba a relação.
   O coração fica apertado e chora silenciosa e copiosamente traumas passados, que podem corresponder traumas na infância ocorridos com os pais, na ausência da presença ou na ausência do carinho, do diálogo, do amor, do apoio.
   Um sofrimento talvez nunca cicatrizado, pois, o que se espera dos pais, muitas das vezes, é o amor, mas nem sempre colhemos isto, sendo que o pior de tudo não é isto, mas pessoas que se acham donas da verdade e da perfeição, por isso, acham-se no direito de fazer e dizer o que bem entender, põe e impõem-se como modelos de perfeição a serem seguidos por todos, pura idiotice!
   Dogmáticos! Comportam-se como arredios insuportáveis e envenenadores com suas pérfidas palavras, o qual paira no ar um cheiro inconveniente de putrefação da verdade dita. São extremamente complexos e, portanto, difíceis de convivência. Qualquer pessoa fora do seu círculo de convivência é nociva e está ‘errado’, ou, fora dos ‘padrões convencionais’, enfim, em contrapartida, afinal o que é certo ou errado? O que seria a tal verdade nestes ‘padrões fechados de convivência’? De quais dimensões, perspectivas reais falaram? O que seria uma suposta liberdade de ser e de se expressar? O que é a autenticidade ou inautenticidade de uma pessoa no cotidiano?
   Perguntas idiotas, indecentes talvez, sem sentido nenhum, coisa de filósofo que não tem o que fazer, a não ser pensar e criar teorias e ideologias, é considerado pelo senso comum lunático, pois, tudo o que um filósofo fala, escreve é taxado de baboseiras sem lógica nenhuma, porque não tem utilidade nenhuma, mas aí está engano fatal.
   O filósofo é considerado como ‘o inconformado’ diz Ernildo Stein. Sim, inconformados, porque quem está conformado comporta-se ingenuamente sem consciência crítica necessária para transformar a realidade que os circunda, pois sua mente não é formatada e nem muito menos formada, padronizada, mas sim adaptada com atitude critica na vida cotidiana.
   As pessoas dogmáticas são peças desta engrenagem de alienação pura do senso comum, eles alimentam e encaminham mais ‘mão-de-obra acrítica’ na sociedade. Eles são cascas (superficiais e artificiais), vazios por dentro, sem nada oferecer, somente impor verdades vazias e inconsistentes, a vida se esvai, por isso, que ‘perguntas idiotas’ não são bem vindas porque foge do padrão estabelecido como o que é certo ou errado, princípios incutidos na cabeça do povo, ‘a perfeição’, ‘padrões de perfeição’, daí surgem alguns jargões comuns como: ‘o certo é assim e ponto’ ou ‘não, mas isto está errado’ ou ‘isso nunca aconteceu comigo’ ou ‘ isso jamais acontecerá comigo’ ou ‘EU estou certo e todo mundo errado’ ou ‘ Estou dizendo a pura verdade’, mas quem disse que existe uma pura verdade?
   São padrões de perfeição que podemos chamar de ‘dogmas absolutos’ ou ‘portas fechadas’ ou ainda ‘muralha da China’, enfim intransponíveis, a conseqüência destes padrões mentais em seu agir é fatal, sórdido e cheio de hipocrisias, ademais, a fala não condiz com o seu modo de viver. E ao deparar com pessoas com propósitos diferentes, mentalidades abertas a multiplicidade de verdades que se manifestam, se dão, se mostram no instante e a todo instante àqueles que estão preparados para ver o que não é visto.
   Os dogmáticos reprimem, sufocam, ditam suas verdades absolutas vazias, destruindo a abertura para o aberto de consciências livres, que não condicionam e nem são condicionadas, sufocando sonhos, projetos e planos de vida, pois, os de mentalidade aberta representam perigo para uma sociedade comandada por ‘heróis’ com suas verdades supremas, sendo que o outro tipo não é um ‘herói’, buscando sua glória, mas um simples ‘homem mortal’ consciente de suas fraquezas e de seus poderes.
   Tal sociedade da perfeição quer o belo, o igual, o padrão, o santo, o competente, o justo, o fiel, o responsável, o ideal, o resultado exato, o modelo; sendo que o contrário disto é justamente o perfeito na sua imperfeição. O que está dentro de cada ente, de cada ser vivente é o que realmente importa, e é o que será criado e manifestado a partir dos seus dons, talentos e intenções jogadas e administradas no tempo do ilimitado (apeíron), do fluir (devir), do pulsar da vida. No entanto, pessoas de mentalidade aberta vivem camufladas por códigos, palavras e ideias sem sentido como aquelas perguntas idiotas, sem sentido, pois é nestas perguntas idiotas que é revelado o sentido profundo das coisas, dos seres, das pessoas, do mundo, e até de Deus se revelando, tais pessoas se escondem, entre um gesto de loucura, bizarro como uma explosão de sentimentos e palavras grotescas, gritando para todos de maneira sútil para que prestem atenção nos seus gestos e palavras, o qual podem salvar-nos ou condenar-nos, ou, talvez um gesto inesperado de bloqueio de sentimentos e de palavras, silêncio total, pois, o silêncio é a resposta mais acertada a qualquer pergunta a ser feita por qualquer pessoa. Nestes gestos de extravagância ou silêncio total, estas pessoas manifestam suas ideias mirabolantes que, muitas das vezes, são inéditas e criativas, mas, entretanto, não são entendidas e muito menos compreendidas, talvez pela ‘falta de tempo’ que reclamamos a todo instante, revelando que somos consumidos, engolidos pelo monstro antigo chamado “cronos”(tempo), mas quem disse que não temos tempo? E porque isto acontece?
   Justamente, porque ele (mente aberta) é descoberto, então logo ele é perseguido novamente, ou seja, é uma eterna guerra, que constitui de infindas batalhas diárias no seu viver para tentar ‘fugir’ do normal, padrão, igual, verdade absoluta, belo, resultado eficiente, entre outros; e esta fuga que para muitos é vista como loucura, para quem age assim, é visto como um guerreiro sempre em luta constante com os sistemas programados para aniquilar e alienar as massas não pensantes colocando todos num só patamar, uma só condição a de ignorantes (aquele que não conhece o mundo e muito menos a si próprio enquanto individuo consciente de seu poder mental). Eles são guerreiros que combatem a desigualdade com a potência do desigual nas multiplicidades da diversidade da força vital de ser o que se é; sem ser mascarado, dissimulado mesmo sendo em momentos oportunos de instantes viscerais para a própria sobrevivência através da astúcia do pensar. Lei única seguida por estes guerreiros a autoconservação da vida ou o direito à vida, constitucionalmente falando, que pressupõe vários fatores virtuosos na prática, na ação humana na sociedade. Liberdade, Solidariedade, Respeito, Compaixão, Perdão e, o principal, o Amor.
   Mas, afinal, o que vem a ser o Amor?
   Um mero sentimento, ou, um nobre sentimento, tão esquecido hoje em dia. Esquecido por quê?
   Não é tão propagado, porque está fora de ‘moda’, o que está fora de ‘moda’?
   O amor ou instituições religiosas que pregam o amor como o cristianismo. Exemplificando: os primeiros cristãos (Atos dos Apóstolos) viviam em comunidade, partilhavam tudo, tudo era em comum, não só bens materiais, comida, roupas, economias, mas, principalmente, partilhavam a sua própria vida, seu próprio coração, sua história, seus sofrimentos e angústias, sem mesquinharias, reservas, desconfianças, ou, hipocrisias como vemos atualmente alguns dizem assim: “Nossa, eu sabendo isto dele, eu posso usar isto contra ele, um dia!”, são abutres atrás de carniça, ou melhor, são lobos na pele de cordeiro, fingindo ser bons, mas não são; fingindo ser caridosos, mas não são; fingindo ser agradáveis, mas não são; fingindo ter paciência, mas não exercitam; fingindo ser misericordiosos, mas não são, pois não perdoam e seu coração arde cheio de ódio e infelicidade.
   O amor, em contrapartida a tudo isto, é a única versão, numa única palavra vivenciada, praticada através da partilha, desde da coisa mais simples como partilhar bens materiais até da partilha de vida e, zombar disto, usar disto contra a pessoa que lhe confiou o seu coração, é a pior das traições, oferecer um amor não correspondente, ou , um pseudo amor.
   Pessoas deste tipo “lobos na pele de cordeiro” a sociedade está infestada, pois, o que os move é ambição de ter mais e mais, por isso, sua ética é utilitarista, quanto mais eu uso, sugo, engano as pessoas que estão ao meu redor, melhor é para meus fins sórdidos e egocêntricos, sendo que o Amor é altruísta (doação) e não egoísta. São escravas dos seus egoísmos padronizados como modelos de perfeição para o mundo, é difícil mudar o modelo de mentalidade destas pessoas, está muito enraizada, gerações e gerações, mas para mudar, o primeiro passo, basta querer, o resto é puro esforço que foi impulsionado pelo próprio ato inicial, querer.
   Enfim, qual é a lógica de tudo isto?
   A vida é ilógica na sua real concretude impactante, coisas que você espera e esperava não acontecem, e talvez não vão acontecer em sua geração. Pessoas são PESSOAS, portanto, complexas em seu existir, querer entende-las é piorar a complexidade que envolve você também como sujeito cognoscente da ação e da intenção de compreensão de diversas situações vivenciadas no cotidiano social.
   Portanto, a lógica de tudo isto é a não-lógica. Cito o filósofo austríaco chamado Wittgenstein que investigou a essência, a natureza da linguagem em sua obra "Tratactus Logico Philosophicus" em que conclui sua sétima proposição assim: “O que não se deve falar, deve-se calar”. Quanto mais eu falo ou escrevo, mais eu devo calar, silenciar, pois, sinto a necessidade de expressar sobre o Universal e o Particular, sobre as bases do Nada, aquilo que se esvai e flui, todavia, a vida é uma ilogicidade constante.
   Finalizo afirmando que: No curso da vida, entendo eu como tudo é um grande aprendizado, por isso estar aberto à abertura dos instantes do fluir da vida, de mente, de coração e, de espírito para as novidades fulgurantes e concernentes da nossa epocalidade é sinal de humildade e simplicidade perante o Todo e o Nada. Eu sou um rastro errante assim como tu também o és.

Sérgio Augusto Moreira – SAM – versão modificada – 04/10/2010.

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