"Humildade versus Arrogância"


     "Humildade é o reconhecimento que não somos, em hipótese alguma, donos da verdade, se já não somos donos da nossa própria vida, quiçá, da tão sonhada intenção dos filósofos de buscar ardentemente a verdade, e falando dos filósofos, esquecem que para se tornar sábio é preciso praticar a humildade – lembrando o dito socrático: ‘Só sei que nada sei’. Não há sabedoria sem humildade e vice-versa, esta é a grande lição socrática. A filosofia trilha por caminhos um tanto quanto densos e profundos da essencialidade do SER, enfim, se é que podemos afirmar a existência do SER, para tentar dentro das possibilidades da linguagem – ‘dizer o indizível’ de acordo com Wittgenstein em sua 7ª proposição do ‘Tractatus Lógico-Philosophicus’: ‘ o que não se deve falar, deve-se calar’.”
            Fundamentando no que diz Jesus Cristo, mestre da humildade: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Por que meu jugo é suave e meu peso é leve.” (Mat 11, 28-30) Seu coração é um oceano de mansidão repleto de humildade, noutra passagem ele diz: “Assim, pois, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” (Mat 20, 16), mas quem serão os últimos e os primeiros no reino dos céus?
            Certamente, os últimos do mundo serão os primeiros (humildes) no reino dos céus, já os primeiros do mundo (poderosos arrogantes) serão os últimos no reino dos céus (se arrependerem). Aqui está a dialética do servo (humilde) e do senhor (poderoso) de Hegel presente na história da humanidade contendo as máximas dialéticas da humildade e da arrogância, diga-se de passagem, não só acontece na história humana terrestre, mas inclusive no plano espiritual, na história humana celestial, ou, pelo menos, na busca pelo reino dos céus. Por isso, qualquer pessoa que procure praticar a virtude da humildade constantemente está se preparando para conquistar a glória eterna reservada para todos, sem exceção, porém, dependerá apenas na diminuição de si mesmo, ou melhor, aniquilar-se em sua arrogância proveniente da mancha do pecado original.
            Entretanto, tanto a humildade como a arrogância são contrafaces dialéticas inseparáveis do homem humano e divino. Somos seres tão importantes, únicos e especiais, se não fosse assim, nem Deus e nem o diabo tentariam nos influenciar todos os dias de nossas vidas. Por quê? Somos a soma de tendências tanto para a bondade como para a maldade de instantes únicos que são definidos a partir da decisão de agir.
            A vida é um jogo, que você ganha ao receber o sopro divino de vida do Criador, gratuitamente e, que perde quando nos sujamos no lodo do pecado, naquilo que a nossa consciência pura da semente divina é contaminado pela sujeira da semente da arrogância. Não é Deus ou o diabo que meche com as peça do tabuleiro da vida, sem dúvida nenhuma, somos nós, nós que temos o poder de escolha, o livre-arbítrio garantido por Deus que criou o homem a sua imagem e semelhança. Neste sentido, com a garantia do livre-arbítrio, podemos intuir que temos mais poder que “Deus” e o “diabo”, se uma coisa que temos poder é a nossa própria consciência lúcida e ativa para sabermos escolher o melhor para nós, tanto “Deus” como o “diabo”, querem influenciar ou para o nosso bem “salvação” ou para o mal “perdição”, mas somente nós que decidimos mudar nossa mentalidade ou não, nossa vida ou não.
            No entanto, Será que poderíamos ficar neutros neste jogo de forças entre o bem e o mal? O que está além do bem e do mal? Será que realmente “somos condenados a nossa própria liberdade” conforme dizia Sartre (existencialista ateu)? O que realmente representa viver neste mundo, existir? Em que momento podemos dizer: ‘Agora sou livre’?Qual é o nosso papel enquanto criatura livre que fomos criados por Deus?
            A resposta para estes questionamentos pode se encontrar talvez na dialética da humildade e da arrogância.
            Vejamos bem, a humildade é o caminho do reino dos céus vivenciado aqui, na vida terrestre, enquanto que um pouco de orgulho nesta vida terrestre garante nossa sobrevivência para poder se auto-sustentar neste mundo, porém, sobretudo, como conseguiremos viver neste mundo sendo humilde e sem exaltar um pouco o que sabemos para sobrevivermos com o suor do nosso trabalho?
            Isto gera um tremendo conflito entre o sagrado e o profano e, ainda enaltece um dúvida neste drama existencial humano: Mas será que há um lugar neutro que os homens possam se ausentar das práticas tanto do bem como do mal?
            O drama existencial humano imprime em nossas vidas uma diversidade empírica e, até mesmo, marcam na construção de nossas personalidades por atos tendenciosos favorecendo a virtude da humildade ou desfavorecendo no vício com a exaltação do nosso ego, enfim, como ‘rei de nossas vontades’. Por isso, é, justamente, o colorido da vida ou não, dos sabores inigualáveis ou não, dos odores agradabilíssimos ou não, dos toques infindáveis ou não, das magníficas imagens únicas que captamos com a visão ou não, dos sons belíssimos que podemos ouvir ou não. São momentos de pura perceptibilidade do SER. Não esquecendo também a possibilidade negativa da experiência – ‘não’, também deve ser incluído como ponto de partida para novas experiências benéficas ou não, úteis ou não.
            Exatamente tal possibilidade negativa da experiência pode direcionar o sentido de nossas vidas. Por exemplo: do não ser humilde ou do não ser arrogante; do não ser educado ou do não ser inábil; do não ser espiritualizado ou do não ser materialista; do não ser prudente ou do não ser imprudente; do não ser sábio ou do não ser ignorante; do não se importar com nada ou do não se importar com tudo. Esta é a beleza da possibilidade de viver ou de esconder-se. É a chave do entendimento, da abertura de consciência limitada para uma consciência ampla e ilimitada, da conexão entre o divino e o humano. Eu diria que é o momento da fusão entre o divino e o humano, segundo o qual, o choque entre o universal e o particular, brota um novo SER, o Além humano.
            O Além humano não sente mais dor e sofrimento, por que já foi superado por apenas um homem, Jesus Cristo na cruz, morreu por todos nós, Ele venceu a morte, trazendo a boa nova, naqueles que crêem Nele, ressuscitarão. Ser um além humano é ser um discípulo de Cristo, é ser um Imitador de Cristo para podermos superar nossas misérias tornando-as pó e redimir de nossos pecados, aumentando nossa fé Naquele que venceu a morte e o mundo. Eis o mistério desta fusão da humanidade com a divindade, complexo, mas necessário. Por quê?
            Jesus diz: “Eu vos repito: é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.” (Mat. 19, 24) A reposta ao mistério acima é devido ‘o buraco da agulha’ ser estreito demais para os camelos passarem, ou seja, a mistura tanto das sementes da divindade com a humanidade que habitam nosso interior com a presença do Espírito Santo condensa-se no estreito ‘buraco da agulha’ para tornar-se uma só coisa, uma só substância, uma só essência.
            A essencialidade está presente na transubstanciação do pão e do vinho no corpo e sangue de Nosso Senhor, Jesus Cristo, durante a missa (atualização da última ceia). É na hóstia consagrada que o céu desce na terra, naquele pedaço de pão onde Jesus doa-se por inteiro como alimento e fonte de todo mistério pascal. É o epicentro de toda fé católica. Jesus é o caminho, a verdade e a vida.
            Como já dissemos Jesus é o mestre da humildade, um homem puramente humano com seu coração plenamente enraizado na vontade do Pai, conforme a oração que fazemos como jaculatória: ‘Jesus manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso’.
            ‘O buraco da agulha’ é viver como Cristo viveu.  Jesus convida: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.” (Mat 16, 24) Jesus, o Emanuel (Deus conosco), já abriu o caminho para nós, basta querer, acreditar e tomar sua cruz. Viver em Cristo é vencer nossa arrogância e viver para o outro, eis o sentido do Cristianismo. No entanto, viver em Cristo é também viver uma existência cheia de tribulações, provações, perseguições, assim como foi com Jesus. A tentação é maior, o inimigo te persegue, pois, ele quer inflamar a nossa arrogância. Entretanto, a humildade e a arrogância são lados opostos da mesma moeda chamada homem vulnerável, é normal que o homem viva sob tensões, conflitos existenciais. Portanto, a existência humana tem a possibilidade de direcionar, sob as tendências que jazem em nosso âmago, o sentido da própria existência, de certa forma, influenciado ora pela arrogância materialista, ora pela humildade espiritualizada.
            O paradoxo emblemático entre humildade versus arrogância, como um bom heraclitiano, um complementa o outro nas suas contrariedades. Por exemplo: Saúde implica doença e vice-versa. S͢ D e vice-versa. Devido a busca de uma vida saudável implica em afastar-se da doença na proximidade da saúde, mas, no entanto, quando pensamos em saúde, logo, em seguida, aparece a doença. Não existe saúde sem doença e vice-versa. Um princípio dialético no eterno devir das ‘águas da vida’, ora saudáveis, ora doentes; ora calmas, ora turbulentas, assim é a vida.
            O exemplo acima ilustra a dialética da humildade e a arrogância. Vivemos num mundo cada vez mais “administrado” como diria Adorno, estas contrariedades se chocam e, até se confundem, se parecem, mas não são de verdade. Todo cuidado é pouco.
            Portanto, a humildade implica na arrogância e vice-versa, H͢ A.
            A busca de uma vida virtuosa humilde implica em rejeitar uma vida abastada e materialista, mas quanto mais rejeitar, mais se encontra no âmbito da arrogância, por que segundo suas concepções e condicionamentos, você torna-se arrogante por defender exclusivamente princípios cristãos, que pregam a humildade, por isso, você se fecha na verdade absoluta ética cristã. Mas e as outras verdades? Será que só existe uma única verdade, a cristã? Pelo contrário, uma não exclui a outra, e sim cola na outra. Por outro lado, a busca de uma vida materialista, porventura, fundada na arrogância, ao rejeitar uma vida simples e humilde, por conseguinte, é exatamente o que o capitalista mais almeja no seu interior (vida simples, humilde), quanto mais adquire bens, compra ou consome mais vontade ele sente inconscientemente de preencher o vazio existencial que nele se aloja, mas o que preencheria este vazio? A valorização de si pelos outros cultivando a humildade e paciência. E isto não é a complementaridade dos opostos.
            Mas ao aceitar esta complementaridade dos opostos deixo de definir?
            Mas para que definir, encapsular nossas mentes com conceitos (gavetas com chaves e trancas), sendo que posso intuir dentro do que é complexo?
            A complexidade é a chave do indizível como condição de possibilidade tangível nas entrelinhas da manifestação do SER por meio do dizer, da linguagem em seus variáveis contornos. O complexo é a manifestação da própria filosofia.
            A complementaridade dos opostos segue na aceitação do complexo no meu existir, dentro dos questionamentos plausíveis, intuindo a direção que você navegue melhor neste oceano ontológico de possibilidades na complexidade. Por isso, não preciso definir humildade e arrogância, mas intuir nas instâncias do momento ‘quando posso ser humilde e quando devo ser arrogante, ou, quando devo ser humilde e quando posso ser arrogante’. Este é o ponto crucial neste oceano ontológico-existencial de possibilidades da complexidade de viver num mundo sistematizado pelo programa do “esclarecimento – Aufklärung”. O dever (obrigação ética kantiana formalista) e o possível (possibilidades – filosofia transcendental) se misturam na alternância da ação do sujeito que, ora eu devo, ora eu posso, eis a corda bamba das escolhas que me definem ou como humilde ou como arrogante.
            Por isso, quando determino (obrigo) como agir (humilde ou não), assumo a negativa dentro do mundo de possibilidades. Pense comigo. “Sou humilde, procurando ser humilde contra e englobando o nosso ego inflamado dentro das possibilidades que se manifestam ao meu redor (percepção aguçada) exatamente naquele momento que é eterno (futuro) enquanto passado (memória), que é presente enquanto passa (sensação). Por isso, escolho não ser humilde na humildade dos instantes que me é permitido ser.” Da mesma maneira, digo: “Sou arrogante, procurando garantir minha espécie (autoconservação) contra e englobando minha intranqüilidade interior, minha falta de paz de espírito que tanto busco na possessão de coisas e de bens materiais supérfluos, só para esconder o imenso abismo existencial que há em mim, dentro das possibilidades que se manifestam ao meu redor (percepção aguçada) exatamente naquele momento que é eterno (futuro) enquanto passado (memória), que é presente enquanto passa (sensação). Por isso escolho não ser arrogante na arrogância dos instantes que me é permitido ser.”
            Com efeito, dentro deste paradoxo desconcertante do que é no não é e vice-versa, surge a questão da individualidade. No contexto discutido como fica a individualidade? Onde e quando acontece a individualidade? O próximo tema a ser investigado com certeza será: “Individualidade x Individualismo”.

Sérgio Augusto Moreira – SAM – 25/11/11 - 15:20 h

Comentários

  1. Carpe diem Sérgio! Acabei de ler o texto, é primoroso,vou recomendar aos meus alunos e amigos! Sempre que ler um dos seus artigos,postarei um breve comentário, tenho essa liberdade?

    Abraço do seu amigo Prof. Mauro de Souza (Igreja Metodista Wesleyana do Cecap/Taubaté).

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  2. Claro que pode! seja bem vindo.

    Sérgio Augusto Moreira - SAM

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