Que é isto - a Filosofia? (Heidegger)


Qu´est  Que La Philosophie?
(Martin Heidegger)
(Que é isto – a Filosofia?) (Parte I – II)
Parte I – pg. 27 – 30;
 Parte II – pg. 31 – 33;

Parte - I

              Com esta questão tocamos um tema muito vasto. Por ser vasto, permanece indeterminado. Por ser indeterminado, podemos tratá-lo sob os mais diferentes pontos de vista e sempre atingiremos algo certo. (...) Quando perguntamos: Que é isto – a filosofia? Falamos sobre a filosofia. (...) a meta de nossa questão é penetrar na filosofia, demorarmo-nos nela, submeter nosso comportamento às suas leis, quer dizer, “filosofar”. (...) O caminho de nossa discussão deve ser, portanto, de tal tipo e direção que aquilo de que a filosofia trata atinja nossa responsabilidade, nos toque (nous toche), e justamente em nosso ser. (p.27)
              A filosofia, pelo contrário, não é apenas algo racional, mas a própria guarda da ratio. (...) E, contudo, esta afirmação é talvez uma resposta apressada e descontrolada à pergunta: Que é isto – a filosofia? Pois a esta resposta podemos contrapor novas questões. Que é isto – a ratio, a razão? Onde e por quem foi decidido o que é a razão? Arvorou-se a ratio mesma em senhora da filosofia? Em caso afirmativo, com que direito? Se negativa a resposta, de onde recebe ela sua missão e seu papel? Se aquilo que se apresenta como ratio foi primeiramente e apenas fixado pela filosofia e na marcha de sua história, então não é de bom alvitre tratar a priori a filosofia como negócio da ratio. (...) Perguntamos: Que é isto – a filosofia? Pronunciamos assaz freqüentes vezes a palavra “filosofia”. Se, porém, agora não mais empregarmos a palavra “filosofia” como um termo gasto; se em vez disso escutarmos a palavra “filosofia” em sua origem, então, ela soa philosophía. A palavra “filosofia” fala agora através do grego. A palavra grega é, enquanto palavra grega, um caminho. (p.28)
              A palavra philosophía diz-nos que a filosofia é algo que pela primeira vez e antes de tudo vinca a existência do mundo grego. (...) Por quê? Por que a “filosofia” é grega em sua essência – e grego aqui significa: a filosofia é nas origens de sua essência de tal natureza que ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver. (...) A filosofia, porém, é: he philosophía. Esta palavra grega liga nosso diálogo a uma tradição historial. (...) A tradição não nos entrega à prisão do passado e irrevogável. Transmitir, é um libertar para a liberdade do diálogo com o que foi e continua sendo. Se tivermos verdadeiramente atentos à palavra e meditarmos o que ouvimos, o nome “filosofia” nos convoca para penetrarmos na história da origem grega da filosofia. (p.29)
              Perguntamos: que é isto...? Em grego isto é: ti estin. A questão relativa ao que algo seja permanece, todavia, multívoca. Podemos perguntar, por perguntar, por exemplo: que é aquilo lá longe? Obtemos então a resposta: uma árvore. A resposta consiste em darmos o nome a uma coisa que não conhecemos exatamente.
              Podemos, entretanto, questionar mais: que é aquilo que designamos “árvore”? Com a questão agora posta avançamos para a proximidade do ti estin grego. É aquela forma de questionar desenvolvida por Sócrates, Platão e Aristóteles. Estes perguntam, por exemplo: Que é isto – o belo? Que é isto – o conhecimento? Que é isto – a natureza? Que é isto – o movimento?
              Notemos bem: tanto o tema de nossa interrogação: “a filosofia”, como o modo como perguntamos: “que é isto...?” – ambos permanecem gregos em sua proveniência. (...) Somos propriamente chamados de volta para esta origem, reclamados para ela e por ela, tão logo pronunciemos a pergunta: Que é isto – a filosofia? Não apenas em seu sentido literal, mas meditando seu sentido profundo. (p.30)

 Parte – II

              Se penetrarmos no sentido pleno e originário da questão: Que é isto - a filosofia? Então nosso questionar encontrou, em sua proveniência historial, uma direção para nosso futuro historial. (...) A filosofia mesma parece ser este círculo. Suponhamos que não nos podemos libertar imediatamente do cerco deste círculo; entretanto, é-nos permitido olhar para este círculo. Para onde se dirigirá nosso olhar? A palavra grega philosophía mostra-nos a direção. (...) A língua grega, e somente ela, é logos. (...) A palavra grega philosophía remonta à palavra  philósophos. Originariamente esta palavra é um adjetivo como philárgyros, o que ama a prata, como philótimos, o que ama a honra. A palavra Philósophos foi presumivelmente criada por Heráclito. Isto quer dizer que para Heráclito ainda não existe a philosophía. (p.31)
              O sóphon significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente: o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como “recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento – Logos. (...) Todo o ente é no ser. Ouvir tal coisa soa de modo trivial em nosso ouvido, quando não de modo ofensivo. Pois, pelo fato de o ente ter seu lugar no ser, ninguém precisa preocupar-se. Todo mundo sabe: ente é aquilo que é. (...) Uma tal procura que aspira pelo sophón, pelo hén pánta, pelo ente no ser, se articula agora numa questão: que é o ente, enquanto é? Somente agora o pensamento torna-se “filosofia”. Heráclito e Parmênides ainda não eram “filósofos”. Porque não? Porque eram os maiores pensadores. (p.32)

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