A Razão Instrumental



              A história do menino que olhou para o céu e perguntou: “Papai, que é que a Lua está anunciando?”, é uma alegoria do que aconteceu à relação entre homem e natureza na era da razão formalizada. Por um lado, a natureza foi despojada de todo valor ou significado intrínseco. Por outro, o homem foi despojado de todos os objetivos, exceto o de autoconservação. Ele tenta transformar tudo que está ao seu alcance em um meio para determinado fim. Qualquer palavra ou sentença que insinuem relações que não sejam pragmáticas tornam-se suspeitas. Quando pedem a um homem que admire algo, que respeite um sentimento ou atitude, que ame uma pessoa por ela mesma, ele fareja sentimentalismo e suspeita que estão querendo leva-lo na conversa ou tentando vender alguma coisa. Embora as pessoas possam não perguntar o que é que a Lua estaria anunciando, tendem a pensar nela em termos de balística ou de milhas aéreas.
              A completa transformação do mundo em um mundo mais de meios do que de fins é em si mesma a conseqüência do desenvolvimento histórico da produção. Quanto mais a produção material e a organização social se tornam complicadas e reificadas (coisificadas), mais difícil se torna o reconhecimento dos meios como tais, desde que eles assumem a aparência de entidades autônomas [...]
              A moderna insensibilidade para com a natureza é de fato apenas uma variação da atividade pragmática que é típica da civilização ocidental como um todo. As formas são diferentes. Os antigos caçadores viam nos campos e nas montanhas apenas a perspectiva de uma boa caçada; os homens de negócios modernos vêem na paisagem uma oportunidade para a colocação de cartazes de cigarros. O destino dos animais em nosso mundo é simbolizado por uma noticia publicada nos jornais alguns anos atrás. A reportagem relatava que as aterrissagens de aviões na África eram freqüentemente embaraçadas por hordas de elefantes e outros animais selvagens. Nessa notícia os animais são considerados simplesmente como obstrutores do tráfego. Essa mentalidade do homem como senhor da natureza pode ser localizada em sua origem nos primeiros capítulos do Gênese. Os poucos preceitos em favor dos animais que encontramos na Bíblia foram interpretados por destacados pensadores religiosos, como São Paulo, Tomás de Aquino e Lutero, como algo relativo à educação moral do homem, e de modo nenhum ligados a qualquer obrigação do homem em relação a outras criaturas. Só a alma do homem pode ser salva; os animais têm apenas o direito de sofrer. [...]
              Esses exemplos são citados apenas com o fim de mostrar que a razão pragmática não é nova. Todavia, a filosofia que há por trás disso, a idéia de que a razão, a mais alta faculdade humana, se relaciona exclusivamente com instrumentos, ou melhor, é um simples instrumento em si mesma, é formulada mais claramente e aceita mais geralmente hoje do que jamais o foi outrora. O principio de dominação tornou-se o ídolo ao qual tudo é sacrificado.
              A história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem.

HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão. Rio de Janeiro, Editorial Labor do Brasil, 1976. pg. 112-116.

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