"Curiosidade x Liberdade"

Curiosidade x Liberdade

            Por “natureza”, somos curiosos, pois, somos dotados de inteligência e quando nossa inteligência é alimentada com leituras, ideias, elas podem, sem dúvida nenhuma, transformar-se em ideologias que manipulam massas inteiras em favor de uma elite ditadora minoritária, ou, em favor de promover o “bem comum” no âmbito da cultura intelectual, em nome, de fato, da dignidade humana.
            Por “destino”, conforme o pensamento de Jean Paul Sartre “somos condenados à liberdade”, estamos todos presos à liberdade, escravos ao anseio frenético de vivermos “livres”, acorrentados ao desejo louco de voar sem direção, de gritar sem se importar com o que os “outros” pensam, de correr contra os ventos da corrupção, da impunidade, da falta de ética, da falta de compromisso com o povo que passa fome, e fome de verdade.
            Será? Será mesmo que a liberdade está fadada ao cruel destino, ou, ao sortudo destino?
            A liberdade deveria ser um presente, se fosse bem aproveitada, porém, acaba transformando-se numa âncora bem pesada, a qual nos leva e nos afoga na “mesmice do cotidiano”, na “tolice do destino”.
            Pensando no âmbito educacional, cadê a liberdade dos professores? Será que está fadada ao destino político eleitoreiro? Em quatro e quatro anos, esperando algo que não virá? Como: liberdade financeira, uma utopia social de classes da educação?
            O que nos define e nos caracteriza senão a curiosidade em sua ontologia humana, porém, será que ensinamos o caminho da curiosidade, do questionamento aos nossos alunos? E a liberdade que tanto pregamos em nossas aulas como uma utopia alcançável, torna-se não tão alcançável assim quando nossa própria luta utópica por melhores condições de trabalho, melhores condições financeiras estão longe de suceder.
            A escola tem objetivo final à formação do aluno como cidadão para sociedade. Que cidadão é este que não foi ensinado e não foi provocado a buscar o saber por meio da curiosidade direcionado para a promoção humana do mesmo? Por que sem curiosidade, qualquer cidadão se torna um “papagaio do sistema”, ele apenas repete e reproduz o que o sistema produz através da Indústria Cultural. Tudo acaba sendo mero produto tecnológico.
            Afinal, quem nós estamos alimentando, professores?
            Alimentamos uma elite oculta minoritária que controla o “mundo” por meio das “novidades tecnológicas”. Quando não estimulamos nossos alunos ao pensamento crítico e autocrítico, ao processo natural da curiosidade, artificializamos o processo de ensino e aprendizagem em mero ditado, ou, formamos “alunos copistas”, que só sabem copiar, não sabem pensar, raciocinar, por que ele não aprendeu a acessar a curiosidade a favor de si mesmo, portanto, ser curioso não é bom, está fora dos padrões preestabelecidos da escola. E isto é um mau sinal.
            Alimentamos consciências críticas e autocríticas que tenham assim possibilidade de despertar para o universo das perguntas infindas, cujas perguntas alimentam mais ainda a curiosidade natural de qualquer ser humano, principalmente, para as crianças, porque tudo é novidade. A semente regada na mente de uma criança por um bom professor, com certeza, brotará e frutificará a seu tempo, ajudando assim, a criança que será adulta descobrir sua vocação, um sentido de vida.
            Segundo Paulo Freire (1996, p.85) no item “Ensinar exige curiosidade” em sua obra “Pedagogia da Autonomia” afirma:

Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. Exercer a curiosidade de forma correta é um direito que tenho como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o direito à curiosidade.
           
            A vocação de todo professor, seja qual for sua área, tem como ponto de partida – a curiosidade, pois é o que move para os extremos da pedagogia entre o ensinar e o aprender, é uma mão dupla dialética. A essência do professor é a inquietação, por isso, nos sentimos incomodados ou inquietos a buscar uma ou várias respostas para certo problema. Aliás, todo professor gosta de perguntas, pelo menos deveria.
            A semente da dúvida que brotou em você um dia, professor, deve ser repassada ao seu aluno, para que ela não morra sufocada com tua arrogância no saber. A semente da dúvida é a fagulha da chama da curiosidade.
            Tal fagulha da chama da curiosidade me insere na busca da verdade, do conhecimento, como diria Santo Agostinho: “só se ama, aquilo que se conhece”. Eu me conheço como gente, quando busco respostas em mim e fora de mim, quando percebo e reconheço a verdade nas palavras autênticas e cheias de significado, plenas de sentido, quando observo um professor que se preocupa não só com a formação conteudista do aluno, mas também com a formação humana do aluno. Faço bem a mim mesmo, quando me conheço, é só alimentar a chama da curiosidade, por que uma vez alimentada, jamais quererá voltar atrás.
            Então, como consonar a curiosidade com a liberdade?
            Se a curiosidade é uma pequena chama a ser constantemente alimentada, a liberdade, sem dúvida nenhuma, é a clareira que será desbravada na floresta do desconhecido no exercitar árduo da busca itinerante segurando em punhos a tocha da curiosidade, iluminando com a aurora da verdade o ontós a ser manifestado.
            Quanto mais curioso sou, mais questiono, mais busco, mais me encontro e me perco ao mesmo tempo, mais acerto e erro, mais inquieto e crítico me torno no processo histórico da minha consciência em “constructo ad eterno”.
            Eu sou o que busco, o que interessa, o que pergunta, o que sabe que não sabe, o que fala ou se cala, o que aprende ou ensina, como dizia Kierkegaard: “Eu sou aquele que não pode dizer eu” Porque será?
            Meu eu tem muitas facetas, de acordo com minhas curiosidades e liberdades que são limitadas mediante os ambientes que usualmente frequento. Por exemplo: na sala de aula, eu sou professor, mas também posso ser aluno, isto é, se eu deixar minha vaidade e prepotência de lado, e exercer a humildade do “eterno aprendiz”, ou melhor, dizendo: “eterno curioso”, com certeza, o meu eu será mais íntegro.
            Por isso, o bom professor é aquele não só desperta, mas também alimenta sempre esta fagulha do “eterno curioso”, aliás, o professor deveria ter sempre em mente o gosto, o sabor de querer todos os dias aprender mais do que ensinar, eis o que nos ensina o ilustre Paulo Freire. A dialética do ensinar e do aprender.
            Simples assim.
            Por falar em dialética, cujo título deste ensaio filosófico é: “Curiosidade x Liberdade”, a curiosidade só é contraditória a liberdade, quando ela é desmedida e desproporcional ao que se pede, como diz o ditado: “A curiosidade demais mata.” Assim também se procede com a liberdade: “A liberdade em demasia não só mata como também morre.”
            Na perspectiva apresentada no início deste ensaio: 1 - a curiosidade sufoca a liberdade; 2 - a liberdade é serva da curiosidade.
            Na primeira proposição citada acima podemos refletir assim: se a curiosidade é hiperbólica, acaba sufocando a liberdade, mata a liberdade com tanta especulação desnecessária, contudo, na segunda proposição se a liberdade for serva da curiosidade, ela alimenta moderadamente a inquietação numa busca orientada dentro do equilíbrio da responsabilidade, até porque, não dá para falar de liberdade sem responsabilidade.
            Já dizia Santo Agostinho: “Sou livre quando sou responsável”, complemento dizendo: “Sou livre quando sou responsável quando sano saudavelmente minha curiosidade que me inquieta, dentro das possibilidades que me cabem”.
            Seguramente, num primeiro momento, por meio do viés excludente da sociedade de consumo, minha curiosidade corre sérios riscos e perigos. Ela (minha curiosidade) é hiperativada com a poluição visual midiática, quase que senão hipnotizada. Por isso, todo cuidado é pouco, porque, ser curioso é natural e necessário, mas em demasia acaba se tornando uma patologia psíquica. Nossa mente adoece com tanta ansiedade consumista pelo vazio do ciclo vicioso de consumir para preencher o que não se preenche com coisas e sim com contatos humanos, laços que criam vínculos profundos entre as essências dos envolvidos.
            Retomando o que foi dito acima: a minha curiosidade é contraditória a minha liberdade, quando sou puro objeto coisificado de consumo (Quanto eu valho? Qual é o meu preço?), onde minha curiosidade é alienada e bombardeada com novos artefatos tecnológicos (exemplo: Ipad, Ipod, Itudo... ai! Perdi minha liberdade por não saber mais pensar por mim mesmo, tenho quem pense por mim, mas para isto tem um preço, você se torna meu escravo porque eu te comprei com meu pensar. Satisfeito? Tudo bem eu tenho preguiça de pensar mesmo, aceito minha condição infectada de escravo).
            Num segundo momento, no viés emancipatório: a minha liberdade serve a minha curiosidade, ela é complementar. Quando ponho minha liberdade em primeiro plano, significa que respondo e sacio minha curiosidade que tanto almejava nas minhas elucubrações, nos meus devaneios.
            Pensando no âmbito strictus sensus pedagógico, o professor pode se localizar nestes extremos: de um lado, a contradição (ensinar x aprender), de outro, a complementação (ensinar e aprender, aprender e ensinar).
Ou, o professor está na esteira consumista do sistema que reproduz “mão de obra descartável” para o dito “mercado de trabalho” que parece uma pessoa, mas que de fato inexiste tal figura, é pura abstração, já dizia Karl Marx; ou, ele acredita no poder “fantástico, mágico da educação”, partindo dele mesmo, como algo que interage com o ambiente externo (Outros – alter, sociedade) e o ambiente interno (Eu – consciência construída do aluno), sem esquecer que não é mágica, mas a crença no poder de transformação daquele que absorve e se defende das manobras do sistema, transformando a realidade ao redor com muita alegria, sintetizando seria assim: curiosidade ponderada + liberdade na medida + alunos + dose de realidade = EMANCIPAÇÃO.
Vamos refletir, então, professores: Você ainda é curioso, ou, você não só matou sua curiosidade, mas também rezou a missa de sétimo dia na intenção de sua velha inquietação?
Se sua curiosidade anda “meio zumbi”, sabe, “morta-viva”, então o que diremos de sua pseudoliberdade? Você ainda é escravo de suas antigas e peçonhentas metodologias de ensino? Você ainda perde tempo e vida preciosa em assistir novelas deseducadoras?
Há quanto tempo não lês um bom livro? Bom, se formos comparar o tempo que perdes no facebook, youtube, twiter, email, internet entre outros entretenimentos internéticos, você, com certeza, não só teria lido centenas de livros, como teria se tornado um escritor produtivo e talvez de sucesso, isto é, se você entender sucesso como algo bom a ser realizado em benefício próprio e, principalmente, pelos outros.
Mediante todas estas indagações desconcertantes, então, professor, você se considera livre curioso, ou, um curioso livre?
Para tanto, finalizando este ensaio, lembro-me do que Paulo Freire dizia-nos e nos serve para pensar e repensar quantas vezes for necessário, já que estamos refletindo acerca da curiosidade e da liberdade. “Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém”.

Prof Sérgio Augusto Moreira - SAM
Philos – 25/07/2013 -  22:22 h



           




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