Tema: “Perspectivas de uma nova proposta curricular de filosofia para o Estado de São Paulo” (Prof. Ms. Sérgio Augusto Moreira)

“De um certo modo, emancipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade. Mas a realidade sempre é simultaneamente uma comprovação da realidade, e esta envolve continuamente um movimento de adaptação.”
(ADORNO, 1995. In: Educação para quê? Educação e Emancipação, p.143)


      Para introduzir esta temática que apenas se inicia e que não tem fim, por que, o Currículo de Filosofia e qualquer outra área devem ser revisados no mínimo em três anos; trago como fundo teórico algumas ideias do filósofo Theodor W. Adorno da Escola de Frankfurt, seu leitor brasileiro na área da pedagogia Paulo Freire, e Marilena Chauí em Filosofia. O tema está no plural “Perspectivas”, porém, escolho apenas uma perspectiva, na qual conheço e faz parte do meu rol de estudos e leituras constantes para minha atualização enquanto docente de Filosofia.

1 – Uma Perspectiva filosófica.
      Pensar uma nova Proposta Curricular de Filosofia pressupõe que tipo de Educação, que tipo de correntes pedagógicas nos assegurou para construí-la. Theodor W. Adorno em sua obra Educação e Emancipação, cuja obra se baseia em “quatro conferências redigidas pelo próprio Adorno para a impressão e quatro conversas com Hellmut Becker e Gerd Kadelbach, que foram transcritas conforme as gravações – foram produzidas em parceria com a Divisão de Educação e Cultura da Rádio do Estado de Hessen, em cuja série “Questões educacionais da atualidade” Adorno foi convidado ao menos uma vez por ano durante 10 anos entre 1959 e 1969. (Cf. ADORNO, 1995, p.08)
    O capítulo que trata “Educação para quê?”, Adorno é questionado sobre o planejamento educacional da Alemanha no aspecto quantitativo, então Adorno responde assim:

Quando sugeri que nós conversássemos sobre: “Formação – para quê?” Ou “Educação para quê?”, a intenção não era discutir para que fins a educação ainda seria necessária, mas sim: para onde a educação deve conduzir?A intenção era tomar a questão do objetivo educacional em um sentido muito fundamental, (...) gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas também não era mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância política; sua ideia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política. (ADORNO, 1995, p.139 e 141)

      Neste excerto de Adorno, questiona “Educação para quê?”, a finalidade perdeu seu sentido no contexto da Alemanha daquela época, ele não pode ser simplesmente restituído por ato de vontade, é preciso educar no sentido político, justamente, para não esquecer o Holocausto da 2ª Guerra Mundial, no qual Adorno escreve um capítulo sobre “Educação após Auschwitz” relatando que não podemos esquecer tal atrocidade, por isso, a pergunta: Como conduzir a Educação após o Holocausto?
     Em nossa realidade brasileira a educação na perspectiva da emancipação do sujeito nos ajuda a entender e compreender o processo histórico da luta não só de uma classe, como diríamos no viés marxista, mas também da humanidade. E se emancipação para Adorno é exercitar uma consciência política, nada melhor do que a disciplina de Filosofia e também a disciplina de Sociologia no Ensino Médio conquistada por nós desde 2008, pela LEI 11.684/2008 (LEI ORDINÁRIA) 02/06/2008. (Obrigatoriedade da disciplina de Filosofia e de Sociologia) A luta ainda continua, agora, no âmbito do Ensino Fundamental.
    A perspectiva de educação na emancipação do sujeito, não nos é estranha, pois, temos pensadores nesta perspectiva, na qual já conhecemos Paulo Freire. Paulo Freire bebe da fonte de Adorno, por isso, escreve várias obras, dentre elas: Pedagogia da Autonomia, destaco o item sobre “Ensinar exige curiosidade”, lembrando que na Filosofia aprendemos de Platão que o primeiro passo para Filosofar é espantar-se (Thaumadzein), ou, ser curioso, então, se para “aprender” Filosofia é preciso espantar-se com o novo, “ensinar” Filosofia teria que ser mais curioso do que o próprio aprendiz da filosofia, pois assim, viveríamos de fato o desejo ardente do saber, como filósofos (amantes do saber), aliás, Somos professores de Filosofia apenas, ou, somos professores de Filosofia pensadores?
      Enfim, Paulo Freire nas linhas Marxistas-Adornianas afirma assim sobre a condução do saber autônomo para seu aluno na questão da curiosidade:

Como Professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. Exercer minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o direito à curiosidade. Com a curiosidade domesticada posso alcançar a memorização mecânica do perfil deste ou daquele objeto, mas não o aprendizado real ou o conhecimento cabal do objeto. A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de “tomar distância” do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de “cercar” o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de comparar, [principalmente] de perguntar. (FREIRE, 1996, p.85)

     A Filosofia para nossos alunos começa na pergunta: Para quê Filosofia? Não é! (para quê Educação?), eis a primeira semente de curiosidade, só devemos tomar cuidado para não domesticarmos a curiosidade, ou melhor, dizendo como diria Paulo Freire, para não matarmos a curiosidade do aluno, que seria a potencialidade do saber do nosso aluno, vendo por esta perspectiva Marilena Chauí diria o seguinte sobre esta pergunta um tanto quanto natural que até desconcerta certos professores de filosofia.

Essa pergunta, “Para que Filosofia?”, tem a sua razão de ser. Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática muito visível e de utilidade imediata, de modo que, quando se pergunta “Para quê?”, o que se quer saber é: “Qual a utilidade?”, “Para que serve isso?”, “Que uso proveitoso ou vantajoso posso fazer disso?” (CHAUÌ, 2010, p. 23)

      Pensar na utilidade das coisas na sociedade contemporânea é colocar no nível prioritário, sem levar em conta aonde esta pergunta que de inocente não tem nada pode nos levar, a pura alienação do sujeito. Se pretendermos ensinar tendo como ponto de partida a curiosidade, nada melhor do que inverter a própria pergunta com outra, bem no sentido socrático (aliás, o que nós somos professores de filosofia, talvez, em minha concepção, discípulos de Sócrates). Por que fazemos naturalmente esta pergunta? Ou ainda, Por que Para que Filosofia? Ou ainda mais profundo, Por que precisamos ter Currículo de Filosofia do Estado de São Paulo?
     Nessa perspectiva, o pensamento dos filósofos, as diferentes filosofias, devidamente contextualizadas, passam a constituir os referenciais teóricos e metodológicos (conceitos, categorias analíticas, teorias, métodos de refletir) para a compreensão e a crítica dos temas-problemas abordados nas aulas de Filosofia. Além disso, o contato com o pensamento desses autores permite aos alunos, com a mediação do professor, perceber o seu “estilo reflexivo” (SÃO PAULO, 1992, p.20), sua forma de perguntar, de indagar, de se distanciar do senso comum, de assumir uma atitude crítica, enfim, de problematizar a realidade de seu tempo, constituindo, também nesse sentido, uma rica oportunidade de aprendizado. [1]

2 – O Currículo de Filosofia do Estado de São Paulo.

        Simplesmente, a SEE[2] diante da conquista histórica da obrigatoriedade da disciplina de Filosofia e de Sociologia pensa em reunir um material pedagógico específico de filosofia e todas as outras áreas afins.
       Esse processo partiu dos conhecimentos e das experiências práticas já acumuladas, ou seja, partiu da recuperação, da revisão e da sistematização de documentos, publicações e diagnósticos já existentes e do levantamento e análise dos resultados de projetos ou iniciativas realizados. Com isto, têm-se duas iniciativas: 1) Realizar amplo levantamento do acervo documental e técnico pedagógico existente. 2) Dar inicio a um processo de consulta a escolas e professores para identificar, sistematizar e divulgar boas práticas existentes nas escolas de São Paulo. Enfim, articular o conhecimento e herança pedagógicos com experiências escolares de sucesso, deu início à outra contínua produção e divulgação de subsídios que incidem diretamente na organização da escola como um todo e em suas aulas. [3]
A educação tem de estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide com a construção da identidade, da autonomia e da liberdade. Não há liberdade sem possibilidade de escolhas.[4] Ou seja, o Currículo cita pelo menos a perspectiva da emancipação dentro da Teoria Crítica de Adorno e Pedagogia da Autonomia com Paulo Freire, quando se refere à construção da identidade, da autonomia e da liberdade (processo). E além do mais, “construir identidade, agir com autonomia e em relação com o outro, bem como incorporar a diversidade, são as bases para a construção de valores de pertencimento e de responsabilidade essenciais para a inserção cidadã nas dimensões sociais e produtivas”.[5]

3 - Princípios Centrais do Currículo Oficial da área de Humanas.

O Currículo da área de Humanas deve garantir os princípios fundamentais citados no item acima (Construção da Identidade, da Autonomia e da Liberdade do aluno), no qual advém da perspectiva histórico-crítica, é necessário fundamentar em princípios centrais que são eles: 1) Escola que aprende; 2) Competências como eixo de aprendizagem; 3) Prioridade da competência de leitura e de escrita; 4) Articulação das competências para aprender; 5) Contextualização “Mundo do Trabalho”. Portanto, concebe-se o homem a partir do trabalho e das mediações simbólicas que regem suas relações com a vida, com o mundo e com ele próprio. São os dois eixos dessas atividades: o da produção (transformação da natureza) e o da comunicação (relações intersubjetivas).[6]
Chamo atenção para o princípio: Prioridade da competência de leitura e de escrita. Em nosso caso, professores de Filosofia, essencialmente trabalhamos com textos filosóficos, até excertos tirados das obras clássicas da História da Filosofia se encontram no Caderno do Aluno exemplo: de Platão, de Aristóteles, de René Descartes.
O grande problema é: Como trabalhar bem esta competência de leitura e de escrita com a tamanha defasagem dos nossos alunos? Talvez, seja a forma didática que o professor escolhe trabalhar que pode dar certo ou não? Enfim, testar várias formas de estratégias de leitura e de escrita. Ademais, será que conseguimos ser professores leitores e escritores? Como queremos de nossos alunos sejam leitores e escritores, se nós, por excelência do ofício, deixamos de ler e escrever com a justificativa da falta de tempo? Então, como preparamos nossas aulas se não lemos?
O texto filosófico em si é o material/objeto pedagógico por excelência do Professor de Filosofia, o dilema é como trabalhar com ele para que o aluno absorva sutilmente os conceitos que são necessários eles aprenderem. O Texto é a matéria a ser trabalhada, lida, discutida, criticada, usada e abusada, por isso, o Currículo Oficial de Ciências Humanas do Estado de São Paulo diz:

O Texto é o foco principal do processo de ensino-aprendizagem, [...] na medida em que todo texto escrito é produzido para ser lido, ele reflete as possibilidades e as expectativas do leitor do leitor a que se dirige, identificável por marcas como valores, referências e formulações características. (SÃO PAULO, 2012, p. 16)

Acredito piamente na contribuição da Filosofia para os nossos alunos, porém, segundo Celso F. Favaretto[7], na situação contemporânea talvez seja mais adequado falar-se em Filosofias, pois, face à dispersão, a Filosofia não mais se apresenta como um corpo de saber e, assim, não se propaga da mesma forma como um saber se transmite; apenas por aquisição. A atual disseminação da Filosofia – a mobilidade que muda de lugar o seu assunto, ao mesmo tempo em que indicia uma certa perda de vigor no ensino escolar garante a sua vigência como requisito indispensável para a articulação de teorias e estratégias culturais, políticas, científicas, pedagógicas e artísticas. [...] É exatamente isto que coloca dificuldades para o professor de Filosofia. Ensinar Filosofia: mas qual Filosofia? Em que consiste a especificidade do filosófico? [...] Assim, o professor de Filosofia, para enfrentar as injunções de sua atividade, antes de definir-se por conteúdos, procedimentos e estratégias (o que deve ser ensinado?, o que pode ser ensinado?, Como ensinar?) precisa definir para si mesmo o lugar de onde pensa e fala.[8]
Se em 1993 já pensavam assim sobre a dificuldade do ensino de filosofia no Ensino Médio, já se passaram 20 anos e parece que não avançamos tanto assim. Parece que não, mas em contrapartida, demos um pequeno passo desde 2008, mesmo que tímido, com um Currículo Oficial de Filosofia do Estado de São Paulo. É óbvio que não está pronto e nem vai estar pronto, acabado, pois segue certa ideologia, mas isto, não impede que nós professores de filosofia trabalhemos livremente, tendo como base comum e ponto de partida o Currículo. Eis a serventia do Currículo de Filosofia.
Sem dúvida nenhuma, o Currículo Oficial de Filosofia precisa ser revisto, pois, é muito conteúdo para poucas aulas semanais, tendo em vista a aula em si. Contudo, nada impede do professor utilizá-lo como premissa e até desenvoltura de seus objetivos de acordo com seu plano de ensino traçado no inicio do ano letivo, o qual deve ser revisto bimestralmente com intuito de saber se funcionou sua estratégia ou não. Nada é canônico, insisto, e sim deve ser utilizado conforme as circunstâncias do contexto das Unidades Escolares que estão inseridas socialmente.


            Considerações Finais

    Ora, como professores de filosofia que somos devemos nos alegrar com o simples fato de ter a oportunidade de lecionar tão honrosa disciplina, trabalhar a mente humana não é para qualquer um, que outrora, nos foi tirada. No entanto, estagnarmos com esta sutil alegria e não nos inquietarmos com o futuro que nos espera, é engessar o que temos de melhor: o pensamento.
     Quando digo “Perspectiva”, digo um horizonte a ser perscrutado sem saber o seu ponto de chegada e sim saber seu ponto de partida que irradia para variados ângulos.
       Então, o Horizonte que caminhamos aqui sempre é o Novo, a busca pela novidade, nos deixa inquietos, que faz parte da Filosofia, como diria Karl Jaspers, existencialista: “A Filosofia é a perturbadora da paz.” Respostas, queremos? Se queremos respostas, matamos a filosofia.
       Acredito que estamos muito longe do que deveríamos estar, mas já vejo nuances de mudanças positivas ao nosso redor, lembrando que tudo é um processo inacabado, no qual lutamos pelo melhor, sim o melhor da Filosofia.  Por isso, encerro, com o melhor da Filosofia nos possibilita a leitura, como diria Paulo Freire: “Ler é registrar o mundo pela palavra.” (SÃO PAULO, 2012, p.15)

Referência Bibliográfica:

ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. 3ª edição. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro: 1995.
Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Paulo Miceli. 1ª Ed. Atual. São Paulo: SE, 2012.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14ª Edição. Editora Ática. São Paulo: 2010.
FAVARETTO, Celso F. Sobre o Ensino de Filosofia. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v.19, n. 1, p. 97, jan.jun/1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SILVEIRA, Renê JoséTrentin. Ensino de Filosofia de uma perspectiva histórico-problematizadora. Educação em Revista, Marília, v.12, n.1, p.152. 2011.               


Notas:


[1] SILVEIRA, Renê JoséTrentin. Ensino de Filosofia de uma perspectiva histórico-problematizadora. Educação em Revista, Marília, v.12, n.1, p.152.
[2] Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
[3] Cf. Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Paulo Miceli. 1ª Ed. Atual. São Paulo: SE, 2012, p.07.
[4] Ibidem, p.09.
[5] Ibidem, p. 10.
[6] Ibidem, p.14.
[7] Professor Doutor do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
[8] FAVARETTO, Celso F. Sobre o Ensino de Filosofia. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v.19, n. 1, p. 97, jan.jun/1993.

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