“Escravidão das Telas”

       

 Estamos imersos na “Era Digital”, cujo tempo vivemos conectados integralmente na internet, principalmente nas Redes Sociais. Esta imersão nos é apresentado sutilmente através da mídia para que compremos a ideia de “obter” novos produtos tecnológicos é bom e necessário.
        Quando que “obter” novos produtos tecnológicos é bom e necessário?
        Quem nos impõe esta ideia?
        E porque temos que “ter” as novidades tecnológicas? Tê-las é estar na moda ou ser um completo idiota? Tê-las é ser moderno, antenado, ou, é ser apenas um ventrículo consumista? Tê-las é causa de qual alegria? Passageira ou eterna? Será que o novo não é apenas uma roupagem maquiada do velho? Casca das cascas! Sombra do real! Aparência do mesmo!
       Respondendo a primeira questão, sim, é bom ter novos aparelhos tecnológicos, facilita nossa vida prática, pois, o tempo urge, o tempo é hic et nunc, aliás, sempre foi o aqui e agora, lugar, espaço e tempo as coisas acontecem. Contudo, parece que o tempo não existe mais, ele se esfacela no frigir dos dias, das horas, e dos minutos, tudo passa tão rápido, por quê?
      O esfacelamento do tempo é o nosso relógio da ampulheta, onde a areia cai mais depressa e nem percebemos o tempo passar, “Nossa, já é Natal!”, já dizia Milton Santos em sua obra “Aceleração Contemporânea”, com a Globalização e os avanços tecnológicos, internet, por exemplo, o tempo é o imediato, a comunicação é agora em qualquer parte do mundo, estreitam as relações, sobretudo, as relações interpessoais que são modificadas estruturalmente. Segundo Zygmunt Bauman, o facebook alterou o conceito de amizade, eu não preciso mais de contato físico, toques e olhares, mas apenas o que importa quantos amigos no facebook eu tenho, onde este amigo pode ou não estar online. Então, com o excesso de afazeres, trabalhos, eu me refugio nas redes sociais, com meus amigos virtuais, com isto, começa o processo de desumanização.
       Com as ideologias contemporâneas, o tempo deixa de existir, pois eu estou sempre ocupado para tudo e para todos, mas nunca mais tenho tempo livre (free time) para mim mesmo. Estou ocupado sempre, mas com o quê estou ocupado?
     Se for ver realmente, estou ocupado com futilidades administrativas, lembrando conforme Adorno já nos disse um dia, administrar, não é resolver problemas, simplesmente, administrar é tentar resolver problemas insolúveis. Você apenas administra o problema, mas não resolve. Mas que problemas são estes? Problemas sociais causados pelo próprio homem. Enfim, ficamos ocupados com o nada.
     Zygmunt Bauman escreveu sobre a “modernidade líquida” onde tudo se esvai, o real se esvai, a verdade se esvai, os fundamentos teóricos se esvaem, entretanto, o que estou afirmando aqui o contrário, no meu ponto de vista, o real não se esvai, fica algo, fica um rastro de real; a verdade não se esvai, ficam rastros de verdade; os fundamentos não se esvaem, permanecem vestígios conceituais; mas por quê?
      Como disse acima, o tempo é medido pela ampulheta, onde a “areia” segura algumas coisas, e deixa passar outras coisas. Sim, a “areia” segura, segura o que? O que permanece na memória do presente momento que passa ligeiramente como água corrente de um rio, porém, neste rio tem muita areia barrenta, esta areia barrenta é o substrato do presente com o passado, é conexão deles, ou talvez, seu entrecruzamento não pensado.
       A “modernidade líquida” está calcada neste rio limpo sem “sujeiras”, porém, nem todo rio é tão limpo assim, haja vista, a poluição que enfrentamos com as indústrias que despejam seus poluentes tanto nos ares, como nos rios e mares, contaminando a natureza e destruindo vidas aquáticas. A modernidade surge em contraposição aos pensamentos metafísicos antigos, surge a ciência moderna com os questionamentos de Francis Bacon, com sua obra “Novum Organum”, saber é poder, e com René Descartes no “Discurso sobre o Método”, onde ele descobre o fundamento da subjetividade, cogito ergo sum, penso, logo, existo. O racionalismo será a base para construção do pensamento moderno.
        Mas quando a modernidade se tornou líquida?
     Tornou-se líquida, já em sua gênese, com os avanços tecnológicos crescentes. Tudo o que foi sendo produzido pelas indústrias e tornou-se mercadoria a ser consumida por todos, numa visão simples Marxista, é óbvio para gerar lucros para as grandes indústrias, enriquecendo os patrões e dominando os operários em suas próprias condições, oferecendo a ilusão de liberdade econômica com a ideologia do capitalismo. Em tempos atuais, os produtos cada vez são descartáveis, até o próprio homem é um produto a ser vendido, consumido, por isso, Adorno afirma que a indústria cultural padroniza gostos e comportamentos a ser comercializado, o homem é coisificado.
       Torna-se líquida também, porque a filosofia descobre que a linguagem humana pode inventar novos conceitos, novas palavras, novos paradigmas científicos o qual é volúvel, muda constantemente e a cada época cada vez mais rápido.
       Diante deste panorama histórico da modernidade, “ter” aparelhos tecnológicos de última geração, é bom, todavia, não é necessário. O “Bom” aqui socialmente falando, você está inserido, mas isto não significa que você é moderno. Para adquirir estas novidades tecnológicas de última geração é necessário ter dinheiro, para ter mais acesso a variados aplicativos. Este “Bom”, dura pouco, até sair outro aparelho com mais coisas inúteis para você acessar.
      Vivemos de alegrias passageiras ou eternas? Aliás, hoje em dia, o que seria eterno hoje em dia? Amor?
       Quem nos impõe estas coisas?
       Quem não ama o ser humano, escravizando sutilmente dentro das parafernálias tecnológicas.
     Porque gostamos de viver as ilusões, ou, viver de ilusões é uma saída plausível neste mundo cruel?
       Recordo-me neste momento da “Alusão da Caverna” de Platão, estamos voltando para o fundo da caverna, com as promessas de ordem e progresso do Positivismo do século XVIII, rumo ao progresso nada, rumo à escravidão digital.
   Os prisioneiros de hoje em dia somos todos nós, marionetes nas mãos dos poderosos economicamente falando, que se matam de trabalhar cada vez mais, para “ter” o que não é necessário, é supérfluo. Foi criada uma pseudo necessidade para ter tal objeto tecnológico.
      Somos escravos das telas. Que telas? Do computador, do notebook, do tablete, da TV, do cinema, do GPS, dos celulares. Estamos conectados quase 24 horas por dia. Agora mesmo, eu estou digitando este texto na frente de um computador, quando de repente toca meu whatassp, vou verificar se é uma mensagem do serviço, mas 90% das mensagens são fúteis, é besteirol, só para relaxar seu dia que é tão estressante, aliás, isto é um distrator, para que você não perceba o quanto você está trabalhando mais.
      Veja seu cotidiano, levanta com o alarme do celular, já vê a tela do seu celular 50 mensagens dos grupos que você está inserido, 99% besteiras; vai trabalhar fica aproximadamente 6 horas na frente da tela do computador, sem contar, as vezes que você olha para seu celular (que no mínimo você olhou de 6 a 8 vezes) se comunicando ao mesmo tempo digita no seu computador, acaba sendo 8 horas na frente das telas; vai embora para casa descansar, dentro do carro, dirigindo, já vai usando o celular dinovo com torpedos e MSN, ou, Whatassp; vai para academia malhar, leva o celular, para ouvir seu som predileto e entrar no facebook (a maior fofoqueira do mundo virtual); vai para casa jantar (janta olhando para o celular); vai assistir TV (ao mesmo tempo conversando com  alguém por whatassp), ou seja, você está vendo duplamente  as telas da TV e do Celular (double idiot); vai dormir, olha para celular as últimas mensagens dos grupos.
      Ditadura das telas, saímos de uma tela e entramos em outra. Que loucura! Será que ninguém está enxergando? Claro que não, pois estamos no automático.
      Veja, quanto tempo estamos presos ao celular?
      Celular acaba sendo, ao mesmo tempo, herói e vilão, herói por ser um aparelho multicomunicador rápido e necessário, mas também, nos vicia a estar sempre conectados com tudo e com todos.
     O celular acaba sendo o ativador do presentismo, isto é, o excesso do presente. Enfim, o que importa é o imediato, nada tem mediação. Tudo é agora, valorizar o presente em excesso é bloquear o valor tanto do passado como do futuro.
       Onde fica o que foi aprendido? E a memória não é resgatada mais?
   O passado é o chão da história da humanidade, torna-se o patrimônio dos fundamentos epistemológicos humanos construídos durante a ação humana histórica em cada época.
       O que seria da educação sem os conceitos filosóficos dos pensadores gregos antigos?
      Já o futuro é aquilo que está por vir na imaginação dos homens. O futuro é a expectativa de um amanhã melhor. O futuro é o horizonte resultante da junção do passado com o presente.
     O Presente é o intermediário no tempo entre o que já foi (passado) e o que será (futuro). O presente é o agora. Em contrapartida, o presente nos sufoca. O exagero do presente nos aprisiona em nós mesmos na loucura frenética de fazer sem parar, sem saber qual finalidade de toda esta ação frenética. Qual argumento que escutamos do senso comum? “Se todo mundo está fazendo, eu também faço e faço sem questionar”.
     O excesso do presente ofusca nossa mente e ficamos presos, acorrentados na ideologia do pragmatismo de fazer as coisas sem pensar. Portanto, vivemos uma vida fugaz, baseada nas ilusões que criamos para sobreviver nesta sociedade do século XXI.
       Somos escravos das telas, mantendo nossa mente distraída para que não prestemos atenção aos movimentos de manipulação e dominação da maioria dos homens neste pobre planeta. A ditadura das telas sutilmente imposta ao nosso cotidiano está modificando até a nossa postura e mentalidade. A nossa postura já não é tão ereta assim, de tanto ficarmos olhando demasiadamente para o celular. Há uma involução humana, parece que estamos regredindo aos tempos primitivos, mesmo com esta aceleração tecnológica. A nossa mente não consegue desligar mais, por isso, aumentou mais nossa estafa mental, não dormimos bem ou não dormimos mais, devido por estar plugado direto na internet.
       Precisamos desligar, ficar off-line, se não quisermos adoecer. Criaram uma pseudo necessidade de se comunicar rápida e imediatamente, mas de fato, podemos nos comunicar dentro do nosso ritmo, ou melhor, dentro do ritmo da natureza, onde se respeita o tempo das coisas, das criaturas, da vida (Bios). E nós homens estamos respeitando o tempo da vida (Bios), ou, estamos presos mais ao tempo cronológico (Cronos)? Em que tempo nós estamos vivendo? Ontem, Hoje ou Amanhã.
        Cabe a nós, libertarmos das correntes invisíveis da ideologia da modernidade líquida que nos aprisionam somente no hoje, sendo que nós precisamos saber viver conjugados nos três tempos: passado, presente e futuro.

Prof Ms. Sérgio Augusto Moreira

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