“Orientar-se, Esclarecer-se, Dizer a verdade no pensamento Kantiano na atualidade”




Resumo: Na contemporaneidade, é preciso seguirmos os passos de Kant que afirma que devemos orientar-se no pensamento para centrar-e no princípio da subjetividade da razão, ou seja, é ter capacidade de diferenciação, portanto, esclarecer-se é a saída do homem de sua menoridade, do qual ele é culpado e dizer a verdade é um dever que trará sentido de vida baseado na racionalidade razoável.

            Immanuel Kant elaborou uma linha filosófica, a filosofia transcendental, que trata sobre a razão humana dentro das possibilidades dos limites da razão, uma delas constituiu o pilar principal de seu pensamento, a partir do qual nascerá a filosofia transcendental. Tal obra chama-se Crítica da Razão Pura. Logo após terminar sua obra principal, Kant publicou “Fundamentação Metafísica dos Costumes e Outros Escritos” e, com base na segunda parte desta obra, “Outros Escritos”, podemos refletir, em nossos tempos atuais, uma problemática de como orientar-se, esclarecer-se e dizer a verdade.
            Hoje em dia, o que falta para nós seres humanos para entendermos o sentido da vida? Parece-me uma questão utópica, mas se deparamos com a realidade atual, o que o mundo exige de nós a busca de um sentido, ou, vários sentidos, mas o que importa é que tal sentido está ligado intrinsecamente com a felicidade, pois é através da busca de algo que Aristóteles já nos assinalava assim: “a vida sem uma busca não é digna de ser vivida.”
            Que significa orientar-se no pensamento?
            Kant, em sua época, já questionava-se sobre tais problemas, de maneira subjetiva transcendental do pensamento: “Que significa orientar-se no pensamento? [Was heisst: sich im denken orientieren?] [...] Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento?[Beantwortung der frage: Was ist Aufklãrung?]”, cuja resposta estaria na própria afirmação de Kant: “é um dever dizer a verdade.”
            Orientar-se é preciso e necessário para se ter noção de realidade. Kant utiliza-se dos últimos escritos de Mendelsson, onde se diz que há “necessidade de se orientar [...], no uso especulativo da razão [...] por certo meio de direção que ele ora denominava bom senso (nas Morgenstunden), ora sã razão, ora simples entendimento humano (em aos Amigos de Lessing).” Kant apóia-se inicialmente no pensamento de Mendelsson com o bom-senso, que também é cartesiano, que significa orientar-se, ter um método ou sã razão.
            É importante salientarmos o significado autêntico do termo orientar-se, conforme Kant dizia: “Se vejo o sol no céu e sei que agora é meio dia, saberei encontrar o sul, o oeste, o norte, e o leste [...] oriento-me geograficamente mesmo tendo em vista todos os dados objetivos do céu, tão somente por um princípio subjetivo de diferenciação [...] a capacidade de diferenciação, que lhe é muito natural, a qual ele possui por natureza e se torna habitual com o freqüente exercício, pelo sentimento da direita e da esquerda.”
            Exemplificando a denominação de “orientar-se”: se alguém perde a visão e fica cego, mas com o tempo ele se adapta a sua nova situação, privada de visão, tanto se adapta que sabe exatamente onde está cada objeto em sua casa. É claro, que além do tato constantemente mais exigido, ele se orienta através da sua capacidade de diferenciar subjetivamente, pelos lados direito e esquerdo.
       Portanto, não nos orientamos somente no espaço, matematicamente, mas também no pensamento, logicamente.
            “Orientar-se no pensamento em geral significa, portanto: dada a insuficiência dos princípios objetivos da razão, determinar-se na admissão da verdade seguro um princípio subjetivo da razão.”
            A possibilidade de a razão orientar no pensamento é pura necessidade própria, só o fato de ser possível pensar muitas coisas supra-sensíveis e de admitir sua Existência. Existência de quê?  
            “Sem a admissão de um criador inteligente é impossível conceder qualquer princípio inteligente a essas coisas sem resvalar em absurdos; e embora não possamos demonstrar a impossibilidade de tal finalidade sem uma causa primordial inteligente [...] devemos admitir a Existência de Deus se quisermos julgar as causas primeiras de tudo o que é contingente.”
            Admitindo a Existência de Deus, postulando a razão por uma pura fé racional que é “o guia ou a bússola em virtude da qual o pensador especulativo se orienta em suas incursões racionais no âmbito dos objetivos supra-sensíveis, podendo indicar [...] ao homem de razão comum, porém, (moralmente) sadia o seu caminho inteiramente adequado tanto do ponto de vista teórico quanto do prático, [...] e essa fé racional é também o que deve ser posto como princípio de qualquer outra crença, e mesmo toda revelação.”
            Kant louva os homens de capacidade espiritual e visão ampla, questionando o sentimento humano sem a razão, enfim, àqueles que atacam a razão, querem que a liberdade de pensar seja mantida intacta, mas, sem ela, terá fim a liberdade de pensar, mas o que é esta liberdade de pensamento?
            “A liberdade de pensamento significa que a razão não se submete a nenhuma outra lei senão àquela que dá a si própria.”
            Para orientar-se implicam tal liberdade de pensamento, que está intrínseca a si mesma, no pensamento, no método transcendental, a priori, com as formas lógicas kantianas, as categorias do entendimento para justamente centrar-se em si na razão, em caráter significativo. Kant “admiti aquilo que depois de cuidadoso e honesto exame vos pareça mais digno de fé, sejam eles fatos, sejam eles princípios da razão. Só não contesteis à razão aquilo que faz dela o supremo bem sobre a Terra, a saber, o privilégio de ser a definitiva pedra de toque da verdade.”
            Por isso, o pensar por si mesmo (orientar-se) significa procurar em si a suma pedra de toque da verdade; a máxima que manda pensar sempre por si mesmo é o esclarecimento [Aufklarung], deparamos então à segunda questão: “Que é Esclarecimento? [Was ist Aufklarung?]
            Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento? (Aufklarung)
            “Esclarecimento [Aufklarung] significa a saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo [...] a preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma grande parte dos homens [...] continuem, não obstante, de bom grado menores durante toda a vida [...] é tão cômodo ser menor! Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que decide por mim a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo.”
            E não é isso exatamente que acontece em nossos dias. Quantas pessoas menores, cômodas em nossos tempos atuais, existem por aí. Aliás, vejo que só tem aumentado pessoas que vivem neste estado de letargia da liberdade do pensamento, são pessoas que tem preguiça e covardia de pensar, deixa que sejam pensados, são manipulados e alienados pelas influências ideológicas existentes na sociedade.
            Em nossa sociedade contemporânea, vemos com grande clareza a questão que Kant anunciava em sua época. Esclarecer-se é essencial para estar diante da verdade, buscar e procurar a verdade, pois esclarecer implica em querer estar na verdade, e não qualquer verdade, mas uma verdade fundamentada na razão. O que falam, dizem, escrevem, pregam, mandam sempre em nome da verdade, da liberdade. Será?
            Kant já duvidava disso em sua época: “Ouço agora, porém, exclamações de todos os lados: ‘não raciocineis!’ O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos. O financista exclama: ‘não raciocineis, mas pagai!’ O sacerdote proclama: ‘não raciocineis, mas acreditai!’ (Um único senhor no mundo diz: ‘raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda parte a limitação da liberdade – mas que limitação impede o esclarecimento [Aufklarung]? Qual não o impede, e mesmo o favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento [Aufklarung] entre os homens.”
            Temos como exemplo clássico, em nossa sociedade, o sacerdote, figura eclesiástica, que em nome da Igreja professa defender a doutrina, e tal apologia atualmente é acrítica, ou melhor, sem posicionamento, o qual pode tornar-se numa fé cega, sem nenhum fundamento racional. Ao passo que, a fé esclarecida é fruto de uma razão lúcida e fundamentada na doutrina. Kant nos mostra que, neste caso religioso, existem dois tipos de sacerdotes: um deles são os dogmáticos, são apenas funcionalistas, cumprem com sua função dentro da hierarquia da Igreja, não estudam a doutrina e não colocam em prática, só cumprem com o básico, ministrar os sacramentos;  o outro em extinção são os sábios, pois tem um posicionamento diante da postura daqueles que são apenas funcionalistas, conseguem assim reconduzir e atualizar a própria doutrina sem perder a sua essência, que é Jesus Cristo (Cristocentrismo), essência do Cristianismo, contextualizando com a época em que vivemos, enfim, existe um diálogo com a modernidade, com o mundo.
            Sobre isto Kant diz assim:
            “[...] o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido como essa condição. Mas, como sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar a conhecer ao público todas as suas idéias, cautelosamente examinadas e bem intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, expondo suas propostas visando à melhor instituição da essência da religião e da Igreja [...] enquanto padre, não é livre nem tem direito a sê-lo porque executa uma incumbência estranha. Já na condição de sábio, ao contrário, que com suas obras fala ao verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de irrestrita liberdade para fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome.”
            Então, se fizermos a pergunta, que Kant elaborou depois de suas reflexões.
            “Vivemos hoje uma época esclarecida [Aufgeklarten]?” A resposta será: “Não, vivemos em uma época se esclarecimento [Aufklãrung]. Ainda falta muito para que os homens, nas atuais condições, tomadas em conjunto, encontrem-se já em uma situação, ou que nela possam ser inseridos, cuja matéria religiosa seja capaz de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem que sejam dirigidos por outrem. Claros indícios temos somente de agora lhes foi aberto o campo em que poderia lançar-se livremente a trabalhar e reduzir progressivamente os obstáculos ao esclarecimento [Aufklãrung] geral ou a saída dos homens de sua menoridade, da qual são culpados.
            Será que estamos numa época esclarecida ou em esclarecimento?
            Sem dúvida nenhuma, uma época de esclarecimento, pois, o homem é de natureza complexa e misteriosa, ou seja, tem muita coisa a ser esclarecida. O homem é o co-criador com seu trabalho de suas próprias mãos, tanto pode construir como destruir, fazer ou desfazer, libertar ou dominar, e o principal é sua capacidade de pensar.
            “É um dever dizer a verdade [...] um dever é aquilo que corresponde em um ser aos direitos do outro [...] dizer a verdade é um dever, mas somente para com aquele que tem direito à verdade.”
            A verdade é algo posto, é um ideal criado para todos nós seres humanos buscarmos, porém, ela não longe de nós, mas sim tão próxima quanto imaginamos, ela está dentro de nós. No entanto, a sociedade mascara a verdade com várias mentiras. A verdade vem de ver, mas ver o que? Ver a luz, aquilo que ilumina, clareia quando há escuridão, e a luz é a sabedoria, e a escuridão é a ignorância, e como chegamos a esta luz? Através daquilo que mais temos como essencial, nossa razão, o pensar, o refletir, assim como Kant nos alerta com o objetivo justamente para despertar do sono dogmático, ao passo que, a sociedade prega o não pensar.
          Despertemos deste sono dogmático e plantemos a seriedade, a responsabilidade, o fundamento no pensar, no escrever e dizer, enfim, a coerência de vida e de pensamento.
         Portanto, Kant nos assinala como devemos orientar não só o nosso pensamento,  mas a nossa vida, esclarecer não só o pensamento cético, mas os nossos problemas ou confusões, que diante de tudo isto, o essencial é dizer a verdade, para se comprometer com a sociedade, com a humanidade, com os outros que acreditam numa sociedade mais justa e digna de ser vivida.

Prof. Ms. Sérgio Augusto Moreira


Bibliografia:

Revista Semestral do Curso de Filosofia. CADERNOS DE FILOSOFIA, ANO X - nº 02, CAF - UNISAL-Lorena-SP-Novembro, 2003.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Tradução Leopoldo Holzbach, Editora Martin Claret, São Paulo, 2003.

Comentários

  1. Devo dizer a verdade, pois estava com dificuldades para entender Kant, mas procurando, encontrei suas palavras aqui prf. e passo ater mais clareza do seu pensamento, obrigado por dividir sua ótica, vou me aprofundar no assunto e assim tentar sair dessa inercia desse lodo de ignorância que hoje me encontro. Obrigado!!

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    1. Muito bem Paulo. Leia sempre. Não só Filosofia, mas de tudo um pouco. Para não ficarmos presos neste lamaçal, eu diria até aquelas areias movidiças que quando você cai ali, não sai mais. Eis muitos da nossa pobre nação.

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